No momento mais tocante do espetáculo, a coreografia de Antonio Gomes para uma delicada versão para piano, cordas e acordeão da “Valsa de Esquina Nº 6”, de Francisco Mignone, capturava um tom afetivo e afetuoso dúbio, belo em sua insegurança, sem sensacionalismos. Apesar de seu caráter nostálgico, evocava, naquele momento —estranhamente—, um estado de espírito que parecia totalmente possível para caracterizar a cidade de São Paulo e seus habitantes.
Juntos no palco estavam solistas da São Paulo Companhia de Dança e um quarteto de cordas com músicos da Osesp, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, ao qual juntava-se o acordeão poético de Toninho Ferragutti na execução de arranjo assinado por Juliana Ripke. A regência, precisa e sensível, foi de Ana Beatriz Valente.
Inaugurada neste sábado, aniversário da cidade, a Estação CCR das Artes, nova sala de apresentações anexa à Sala São Paulo, foi concebida para usos artísticos variados e tem capacidade para até 543 pessoas na plateia. Nasceu vocacionada para a música instrumental e a MPB.
Em termos de tamanho é, portanto, mais próxima da nova sala do Teatro Cultura Artística —que tem 750 lugares— do que de sua irmã vizinha, a grande Sala São Paulo, com seus 1.500 lugares.
Mas, concebida para abrigar espetáculos com amplificação sonora, tem função bastante diversa do teatro no bairro da Consolação e de outros espaços acústicos dito puros, como as salas destinadas exclusivamente à música clássica. Nesse sentido, não se trata de uma “salinha São Paulo”, mas um espaço para usos variados, complementares, e até opostos aos da grande sala ao lado.
A Estação CCR, em referência à parceria da Fundação Osesp, gestora da sala, com a CCR, a Companhia de Concessões Rodoviárias, empresa que atua como concessionária de ativos em transporte e infraestrutura, não pretende se especializar em uma única linguagem artística, mas se abrir para música, dança, teatro, circo, literatura e cinema. O isolamento acústico permite o uso concomitante dela com a Sala São Paulo.
O acesso, que é independente da entrada principal da Sala São Paulo, dá-se a partir do estacionamento coberto, com ampla sinalização —basta acompanhar a linha de trem até o final do estacionamento, onde pode-se subir para a sala por escadas ou elevador.
Com projeto do escritório Dupré Arquitetura, de Nelson Dupré, a nova Estação das Artes ocupa na verdade o antigo saguão onde eram vendidos os bilhetes de trem da Estação Júlio Prestes, que ainda preserva alguns detalhes de sua arquitetura original, além de lustres e vitrais.
O espetáculo de inauguração teve uma récita apenas para convidados e autoridades e outra aberta ao público, ambas idênticas em conteúdo.
Dividido em sete partes —denominadas estações—, o programa, conduzido pela música, passou por dança, circo e poesia, sempre buscando, como inspiração, o imaginário dos trens em obras de Jobim, Villa-Lobos, Milton Nascimento e Fernando Brant, Mário Quintana, Manuel Bandeira, Edu Lobo e Chico Buarque, Fernando Pessoa, Oswald de Andrade, Adoniran Barbosa e Francisco Mignone.
A estrutura do espetáculo partiu de Jobim em versão instrumental, para ter em seguida a canção “Encontros e Despedidas”, de Milton Nascimento e Fernando Brant cantada com emoção por Virgínia Rosa.
O Coro Acadêmico da Osesp juntou-se ao grupo instrumental híbrido —com cordas, sopros, piano, guitarra, baixo, bateria e percussão, além da solista vocal—, tudo equalizado com primor. Mérito da acústica da nova sala, mas não só: houve trabalho minucioso dos músicos, técnicos de som e da regente.
Com recitação do ator Odilon Wagner, os poemas dialogavam com a música e o texto das canções. Se “o trem que chega é o mesmo trem da partida” (Brant), chega a “hora de ir embora quando o corpo quer ficar” (Chico Buarque), mas “para viajar” —escreveu Fernando Pessoa— “basta existir”. No fim, todas as artes estavam reunidas em um contagiante (e paulistano) “Trem das Onze”.