Recentemente foi noticiada a existência de um movimento coordenado entre estados e municípios para influenciar na regulamentação da reforma tributária, que agora pende de apreciação pelo Senado.
Segundo informado, os Entes federativos buscam contornar a obrigatoriedade de um regulamento único para os novos tributos criados. Representantes dos Fiscos estaduais e municipais sustentam a necessidade de autonomia na gestão e cobrança do IBS e alegam preocupação com o lobby de contribuintes junto ao Legislativo.
A iniciativa é estapafúrdia, para se dizer o mínimo, por violar a premissa básica de simplificação do sistema tributário prometida pelos idealizadores da reforma. Vale lembrar: a ideia original era a criação de um imposto único, que posteriormente foi fracionado em dois: a CBS, federal, e o IBS, compartilhado por estados e municípios.
Ainda que tenha sido criado esse sistema Dual, houve o compromisso de que os novos tributos seriam idênticos, funcionando como gêmeos siameses, à semelhança do que ocorre no Canadá e na Índia — razão pela qual a tentativa de criar regulamentos diversos é descabida.
A ideia de uma duplicidade de regulamentos para o IBS e a CBS põe em risco os objetivos primordiais da reforma: simplificação e transparência do sistema tributário. Esses objetivos não serão cumpridos se, agora, dermos um passo atrás e permitirmos a possibilidade de regulamentação diversa a depender do ente federativo. Admitir regras diferenciadas para regulamentação de tributos siameses corresponderá a aumentar a complexidade sistêmica, possibilitar regras e interpretações divergentes e jogar por terra a proposta de simplificação.
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Surpreende, portanto, esse movimento estatal contrário aos interesses dos contribuintes, ainda mais considerando-se que os projetos de regulamentação já foram gestados no seio das próprias autoridades fiscais. Esse fato, inclusive, foi objeto de fortes críticas no começo do ano, quando o Ministério da Fazenda anunciou um Grupo de Trabalho sem a participação da sociedade civil para elaborar o anteprojeto de lei que viria a se tornar o PLP 68/2024.
Da mesma forma, o segundo projeto de regulamentação, que veio a formar o PLP 108/24, foi inteiramente criado pelo Comitê de Secretários Estaduais de Fazenda, o Comsefaz, que excluiu qualquer participação do setor privado na elaboração do texto. Iniciativas contemporâneas de deputados para regulamentação da reforma, inclusive, foram desconsideradas e uma dezena de projetos de iniciativa da Câmara e do Senado sobre esse tema foram engavetados.
Não faz sentido, portanto, a reclamação dos entes fiscais sobre o “lobby de contribuintes” junto ao Congresso. A Câmara e o Senado são a representação dos interesses do povo. São os espaços públicos mais adequados para que a sociedade leve suas demandas aos seus representantes eleitos. O tal “lobby de contribuintes” nada mais é do que o espírito da democracia e da representatividade da sociedade civil. Não fosse assim, a nossa Constituição teria previsto que a regulamentação do novo sistema se daria por meio de Portarias ou Atos do Executivo, mas não foi esse o caso.
Ou seja, se a União, os estados e os municípios já tiveram sua oportunidade de criar os projetos de lei, estabelecendo suas balizas sem a participação de representantes da sociedade civil, o processo legislativo perante a Câmara e o Senado é o momento democrático em que os contribuintes podem apontar as incongruências das propostas e sugerir as alterações necessárias para aprimoramento dos textos.
E o que se viu até o momento é que a participação da sociedade foi essencial para demonstrar a necessidade de profundas alterações nos projetos de lei. As dezenas de audiências públicas, por exemplo, serviram para que a Câmara aprimorasse temas como a redação das regras de não-cumulatividade, o momento da cobrança dos tributos, o conceito de destino para fins de cobrança do IBS, dentre outras.
E ainda há muito espaço para que o Senado altere pontos ainda não apreciados pela Câmara, como é o caso do tema da exportação de serviços, do repasse automático dos novos tributos para contratos privados, dos bens e serviços que devem —e que não devem— ser objeto do Imposto Seletivo etc.
Ou seja, com tantos temas de alta relevância que ainda merecem debate, é inconcebível que, aos 45 minutos do segundo tempo —quando já aprovada a Emenda Constitucional e a regulamentação na Câmara dos Deputados— os estados e municípios queiram usar o Senado para regredir num tema tão básico como o da regulamentação única do IBS e da CBS.
Nunca é demais repetir: a reforma tributária é uma demanda da sociedade, não das Fazendas Públicas. A sua aprovação é resultado de uma luta de anos do setor produtivo. Não podemos admitir retrocesso e a transformação dessa vitória em um instrumento do Fisco para arrecadar mais, aumentar a litigiosidade tributária e complicar um novo sistema que ruma para a desejada simplificação.
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