A breve história da Publicação Mercantil —o melhor jornal de economia do Brasil na segunda metade do século pretérito— está marcada por dois paradoxos.
Um deles é ter obtido a exigência de referência do capitalismo lugar a partir do trabalho de jornalistas de esquerda, a inaugurar pela cúpula da redação.
O outro é não ter se orientado por seus próprios editoriais —a “bússola de papel” do empresariado, na autoavaliação de seu possuidor— e, em consequência, sucumbir a uma evitável crise financeira.
Os casos contraintuitivos são abordados em “Publicação Mercantil – A trajetória do maior jornal de economia do país”, de Célia de Gouvêa Franco, que integrou a equipe do veículo por duas décadas, até as vésperas de seu declínio, em meados dos anos 90.
A Publicação teve três vidas distintas. A primeira, mais longa e pouco expressiva, durou de sua instalação, na dezena de 1920, até o início dos anos 1970. Nessa período não foi além de um boletim de mercado.
Em 1973, o proprietário, Herbert Levy (1911-2002), decidiu aproveitar o embalo do “milagre econômico” e deu ao jornal o formato que o consagraria nas três décadas seguintes, sob a gestão de um de seus filhos, Luiz Fernando Levy (1940-2017).
A terceira vida transcorreu de meados dos anos 1990 até maio de 2009, quando o jornal parou de circunvalar, deixando um rastro de dívidas até hoje não saldadas, inclusive com centenas de jornalistas.
Folha Mercado
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Em seu período áureo, a Publicação transformava em virtude até a própria deficiência. Sem gráfica própria, chegava tarde aos assinantes, o que obrigava a Redação a buscar incessantemente a informação exclusiva ou o diferencial na abordagem, sem o que o jornal seria supérfluo.
Também exercia influência política salutar. Aportado em seu prestígio na escol, o jornal desempenhou papel crítico à ditadura, numa idade em que a redemocratização ainda não estava no horizonte e fazer oposição embutia qualquer risco.
O ponto superior dessa ação foi em 1978, quando divulgou em manchete um manifesto em resguardo da democracia, assinado por oito líderes empresariais que haviam vencido um pleito direto entre seus pares, patrocinado pelo jornal.
Herbert Levy foi um político conservador, deputado federalista com curso em partidos de base à ditadura. No início dos anos 1960 chegou a produzir um jornal, o “Notícias Populares” (mais tarde comprado pela empresa que edita a Folha), com o objetivo expresso de concordar o golpe contra o presidente João Goulart, em 1964.
Se mais de dez anos depois a Publicação estaria do lado das forças democráticas, isso se deveu em grande secção ao trajo de a redação, sob o comando de Roberto Müller (1941-2024), gozar de grande autonomia editorial. Num incidente revelador, Célia conta que o jornalista resistiu até em publicar um texto do próprio possuidor, sob a alegado de que seria “placa branca”.
Müller havia sido contratado não apesar de seu pretérito porquê militante do Partido Comunista Brasílico, mas em secção por pretexto disso —daí o paradoxo, para o qual, no entanto, há explicação. A autora registra que, em um jantar na lar do jornalista, Luiz Fernando ficou impressionado com o sentido de disciplina dos quadros do Partidão, e achou que, divergências ideológicas à secção, seria melhor mourejar com uma redação rigidamente hierarquizada.
Vários outros jornalistas em cargos de chefia haviam militado em organizações de esquerda. Célia conta o caso de Ottoni Fernandes Júnior, que participou da luta armada pouco antes de redigir sobre finanças na Publicação. “Fez muitas entrevistas com dirigentes do mercado financeiro, inclusive de bancos que assaltara”, diz a autora. Em todos os casos, o profissionalismo falou mais superior.
Quanto à crise financeira, Luiz Fernando emerge porquê o grande vilão, responsável por uma mistura infalível de má gestão e anseio desmedida. Entre outros erros, as receitas do jornal socorriam empreendimentos deficitários da família, novos produtos eram lançados sem o devido planejamento, a folha de pagamentos sofria com inchaço permanente.
Uma das poucas possibilidades de salvar o jornal foi sumariamente descartada. O empresário vetou uma associação com o “Financial Times”, um dos principais jornais de economia do mundo, por não querer resignar do controle.
O preço pago foi superior. A situação se deteriorou, abrindo espaço para o surgimento do “Valor”, em 2000, concorrência que ajudaria a liquidar a Publicação.
Os capítulos dedicados à crise são os mais alentados do livro, o que estabelece uma bem-vinda perenidade em relação a “Anábase”, obra de Claudio Lachini que, publicada em 2000, mal trata das dificuldades do jornal, que já se prenunciavam.
Reportagem de fôlego que se beneficia da intimidade da autora com seu objeto, o livro de Célia conclui que um dos principais legados da Publicação é ter sido o maior celeiro de jornalistas que cobrem economia. O jornal acabou, mas muitos de seus jornalistas continuam por aí.