Tarifas de Trump: Pensar que EUA estão ganhando é um erro - 03/08/2025 - Mercado

Tarifas de Trump: Pensar que EUA estão ganhando é um erro – 03/08/2025 – Mercado

Mais de cem dias após o “Dia da Libertação” do presidente dos EUA, Donald Trump, a nova ordem comercial global está se tornando clara. É um sistema de preferência imperial.

O Canadá irritou o republicano, em parte por planejar reconhecer a Palestina como um estado, e por isso enfrenta uma tarifa de 35%. Como Trump acredita que os exportadores enganam injustamente os Estados Unidos, ele anunciou na quinta-feira (31) que imporia tarifas “recíprocas” a muitos parceiros comerciais, variando de 10% a 41%.

Enquanto isso, para evitar ameaças tarifárias, a União Europeia, o Japão e a Coreia do Sul fecharam acordos com Trump, prometendo abrir seus mercados e investir centenas de bilhões de dólares nos EUA, em troca de taxas de 15% sobre suas exportações.Uma ideia sedutora está se estabelecendo de que os EUA está ganhando com tudo isso. O presidente, afinal, conseguiu que seus maiores parceiros comerciais fizessem acordos mais próximos de suas exigências do que das deles.

Os mercados financeiros ignoraram as tarifas mais altas, a economia real mostra poucos sinais de danos e, ao mesmo tempo, as receitas tarifárias continuam entrando. Mas esse pensamento é profundamente equivocado. O jogo não acabou. E é um jogo que os Estados Unidos não pode vencer.

Apesar de todas as ironias sobre como “Trump Sempre Amarela”, o presidente seguiu em frente com as cobranças. A taxa tarifária efetiva da América deve subir para 18% em 7 de agosto, de acordo com o Yale Budget Lab, quase oito vezes a taxa prevalecente no ano passado, e de volta aos níveis vistos pela última vez na Grande Depressão de 1929.Da maneira como o Maga (“Make America Great Again”, lema da campanha e do governo de Trump) retrata, isso é um triunfo para Trump, porque os parceiros comerciais do país estão absorvendo tarifas mais altas, ajudando a alfândega dos EUA a arrecadar quase US$ 30 bilhões em receitas por mês.

Infelizmente, essa ideia está ganhando força mesmo fora dos EUA. Logo após a UE fechar seu acordo com Trump, opositores nas capitais europeias lamentaram o fato de que o bloco teria que pagar tarifas.

Isso é um mal-entendido fundamental da economia do comércio. Anos de experiência mostram que as tarifas não prejudicam tanto os vendedores de mercadorias quanto prejudicam os compradores. Quanto mais o presidente aumenta as tarifas, mais seus próprios compatriotas serão privados de escolha a preços baixos.Mesmo que os fornecedores estrangeiros estejam reduzindo seus preços mais acentuadamente do que após as tarifas do primeiro mandato de Trump, analistas do Goldman Sachs estimam que 80% dos custos tarifários foram até agora suportados por empresas e consumidores norte-americanos. Basta perguntar à Ford ou à GM: as montadoras calculam que pagaram US$ 800 milhões e US$ 1,1 bilhão em tarifas, respectivamente, apenas no segundo trimestre deste ano.

E quanto à reação econômica e do mercado financeiro até agora? O FMI (Fundo Monetário Internacional) aumentou suas projeções para o crescimento econômico global e dos EUA este ano, em comparação com as previsões feitas em abril. Embora tenha caído desde que Trump assinou sua ordem, o S&P 500 permanece quase 12% mais alto do que estava no “Dia da Libertação”; o dólar, embora em baixa, fortaleceu-se nas últimas semanas.

A resposta é que a economia está sendo atingida por várias forças, incluindo o forte acúmulo de estoques antes que as tarifas entrassem em vigor —adiando a dor, mas não a eliminando— bem como um boom extraordinário em gastos de capital baseados em inteligência artificial.De acordo com a Renaissance Macro Research, os investimentos de capital em IA contribuíram mais para o crescimento do PIB norte-americano nos últimos dois trimestres do que todo o gasto do consumidor. Parcialmente impulsionados por isso, os mercados de ações têm ido de força em força. Talvez, também, os investidores acreditem que as empresas se adaptarão às tarifas mais altas.

O incentivo para rotear o comércio através de lugares com tarifas relativamente baixas será forte —mesmo que Trump tenha prometido punir tal “transbordo” com tarifas de 40%. Uma dinâmica desconfortável também se estabeleceu: como os investidores acham que o presidente eventualmente recuará, eles o estão encorajando a seguir em frente.

No entanto, à medida que ele avança, os custos de longo prazo para a economia aumentarão. Em nome da “justiça”, Trump está descartando um sistema multilateral no qual as tarifas eram cobradas sobre os mesmos produtos, independentemente de sua origem. Em seu lugar está um sistema bilateral no qual os produtos podem enfrentar taxas diferentes dependendo de sua origem.
Folha Mercado
Receba no seu email o que de mais importante acontece na economia; aberta para não assinantes.

Essas novas taxas não são apenas mais altas; estão sujeitas a negociações incessantes sobre quase qualquer questão. Só esta semana, essas questões incluíram o processo dos tribunais brasileiros a um aliado de Trump e um conflito militar entre Tailândia e Camboja.

Como a política tarifária é definida por um único homem, a negociação estará sujeita a lobby e caprichos presidenciais. Por causa de quem ele é, Trump considerará isenções quando for novamente adulado e ameaçará tarifas quando estiver novamente descontente.

Os consumidores norte-americanos pagarão o preço. Antes eles eram mimados com opções, já que tanto produtores domésticos quanto estrangeiros competiam para vender a eles. Agora, as empresas que tiverem sucesso o farão não apenas porque são as mais inovadoras, mas também porque são as mais inteligentes em jogar com o sistema.

E lembre-se que um efeito catraca está em ação. Quando —ou melhor, se— futuros presidentes quiserem restaurar as tarifas ao seu nível original, eles serão confrontados por um lobby furioso de empresas americanas que se acostumaram a se abrigar atrás de barreiras tarifárias e, assim, tornaram-se não competitivas nos mercados mundiais. Tudo isso é prejudicial. E, independentemente do que Trump diga, nada disso é justo.

Texto da The Economist, traduzido por Fernando Narazaki, publicado sob licença. O artigo original, em inglês, pode ser encontrado em www.economist.com



Créditos

Comments

No comments yet. Why don’t you start the discussion?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *