Redução de penas pode gerar sensação de impunidade - 23/09/2025 - Poder

Redução de penas pode gerar sensação de impunidade – 23/09/2025 – Poder

Entre todas as incertezas que rondam o projeto de anistia que tramita em regime de urgência no Congresso desde a semana passada, o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), seu relator, sugeriu já ter descartado duas delas na sua busca por “pacificar o país”.

Por um lado, descartou a manutenção integral das penas estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos julgamentos históricos dos responsáveis pelos ataques de 8 de Janeiro e da trama golpista. Por outro, também descartou as aspirações do bolsonarismo de uma anistia ampla, total e irrestrita. Ele quer reformar as sentenças destes condenados a partir de mudanças na dosimetria que reduzam as penas finais.

Advogados criminalistas ouvidos pela Folha avaliaram as opções diante do Congresso e do Judiciário e em que medida elas podem gerar na sociedade brasileira a sensação de impunidade de quem cometeu crimes contra a República. Isso porque, a depender das mudanças adotadas, a redução das penas pode ser tamanha a ponto de levar condenados a cumpri-las já em regime aberto, por exemplo.

Para o advogado Pier Paolo Bottini, a proposta de redução da dosimetria das penas tem “uma vantagem técnica porque, ao contrário da anistia, dificilmente pode ser declarada inconstitucional pelo STF”.

Para a professora de direito penal da FGV Direito-SP Raquel Scalcon, há dois caminhos legislativos para a redução das sentenças. “Ou se reduz as penas dos crimes em si ou se estabelece que não é possível aplicar cumulativamente certos crimes”, avalia ela, referindo-se ao debate sobre a concorrência dos crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito (com pena de 4 a 8 anos) e o crime de golpe de Estado (pena de 4 a 12 anos), interpretados por alguns juristas como um crime só.

“A redução das penas específicas de cada crime não me parece uma medida correta porque as penas não são altas para esses crimes, inclusive na comparação com outros países. Elas ficaram altas porque se aplicou às vezes cinco crimes ao mesmo tempo”, afirma.

Estudo feito em 2023 mostrou que o Brasil pune o crime de golpe de Estado de maneira mais branda que países como Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, França, México e Argentina.

Scalcon explica que, em qualquer caso, a mudança incide sobre todos os condenados pelos mesmos crimes. “A Constituição determina que toda nova lei benéfica deve ser aplicada retroativamente a todos os casos existentes. E o Supremo seria obrigado a rever as penas.”

Para o advogado Theo Dias, a discussão da anistia segue a “tendência do Brasil de procurar soluções de pacificação que contemporizam e colocam o problema debaixo do tapete” e começou motivada por penas aplicadas aos réus de 8 de Janeiro que ele considera “excessivas, o que gerou um sentimento de injustiça em parte da sociedade”.

“Creio que foi um erro do STF não optar pela absorção do crime de tentativa de abolição do Estado democrático de Direito pelo crime de tentativa de golpe de Estado. Isso teria resultado em pena menor e mais proporcional à gravidade dos crimes praticados por pessoas que não tenham cargos públicos relevantes”, afirma Dias, referindo-se aos condenados pelos atos de 8 de Janeiro.

Ao mesmo tempo, avalia ele, as penas para os artífices da trama golpista —entre eles os generais Braga Neto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira e o ex-presidente Jair Bolsonaro— foram adequadas ao caso. “Penas para esses crimes devem ser muito altas, pois a imposição de um regime autoritário resulta na prática de inúmeros outros crimes, como tortura, homicídios e censura.”

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No caso deles, Dias entende que os crimes de abolição violenta do Estado de Direito e golpe de Estado crimes foram cometidos em momentos diferentes. “Até 31 de dezembro de 2022, eles tentaram abolir o Estado de Direito para a manutenção de Bolsonaro no poder. Após a posse de Lula, já em 2023, tentaram um golpe de Estado”, argumenta.

Bottini aponta que, numa discussão ainda em abstrato, caso a redução de pena proposta pelos parlamentares seja muito significativa, ela pode levar condenados direto para o chamado regime aberto. Reservado para quem cumpre penas inferiores a quatro anos, este regime permite que o condenado trabalhe ou estude sem supervisão para em seguida se recolher a sua casa.

“Uma redução deste tipo pode gerar sensação de impunidade na população”, avalia ele.

Segundo a professora de direito penal, “os efeitos da redução das penas para o cidadão que acompanhou o julgamento seriam, primeiro, uma desautorização da decisão do Supremo e, segundo, uma sensação de impunidade”.

Dias avalia que existe um caminho de redução das penas pelo Judiciário que evitaria mudanças na lei, o que julga temerário. “Melhor seria uma reversão da jurisprudência do STF para os casos de 8 de Janeiro que abrisse caminho para ações de revisão criminal pelos réus já condenados e condenação com penas menores para os casos remanescentes.”

Para ele, a alteração dos tipos penais no calor dos acontecimentos pode ter resultados ruins para o país, com recado de que é baixo o custo para tentar um golpe de Estado. “A redação de tipos penais deve ser feita a partir de critérios técnicos, sem clamor social, com tempo para amadurecimento e com debates envolvendo a comunidade jurídica.”



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