Profissionais de saúde do RJ pedem transferência por medo - 13/10/2025 - Cotidiano

Profissionais de saúde do RJ pedem transferência por medo – 13/10/2025 – Cotidiano

Uma equipe médica da rede municipal do Rio de Janeiro tentava estancar o sangue de um paciente baleado. O objetivo era estabilizá-lo e intubá-lo.

Ao lado dos profissionais, um homem armado acompanhava o socorro e dizia a eles que o paciente, suspeito de envolvimento com o tráfico de drogas local, tinha de ser salvo.

Em outro episódio, homens armados interromperam o atendimento na sala vermelha e agrediram um dos pacientes.

Noutro caso, o médico, o enfermeiro e o motorista foram levados para dentro de uma favela, sob ameaça armada, para atender um baleado.

Os casos relatados à Folha, sob condição de anonimato, mostram o cenário de uma saúde pública que sofre interferência da violência, segundo os profissionais de saúde. Eles dizem que os episódios se repetem —o sequestro de ambulâncias já aconteceu mais de uma vez.

A prefeitura afirma que tem aumentado os pedidos de transferência de funcionários que trabalham em áreas dominadas por facções, ou locais que convivem com operações policiais constantes.

Os profissionais afirmam que são proibidos de fazer boletim de ocorrência, sob ameaça de represália. Mesmo os livros de ocorrência interno dos hospitais são verificados. Em Costa Barros, zona norte do Rio, há casos de funcionários abordados por suspeitos na saída da UPA. Eles pediam para ler as mensagens do celular.

No dia 30 de setembro, a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) de Costa Barros foi invadida por suspeitos que sequestraram uma ambulância. A unidade foi fechada e assim permanece. A região é alvo de disputa entre traficantes do Comando Vermelho e do Terceiro Comando Puro.

Os funcionários da UPA pediriam transferência para outras unidades no dia em que houve a invasão, segundo um agente de saúde. Ali há relatos de profissionais que deram entrada no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) por diagnóstico de síndrome do pânico e ansiedade.

Dias antes, o carro de uma médica havia sido atingido por tiros na porta da unidade.

O caso de Costa Barros aconteceu 12 dias depois da invasão de milicianos a um hospital municipal em Santa Cruz, zona oeste do Rio. Eles renderam vigilantes na entrada, entraram no hospital Pedro 2º e subiram até a sala de cirurgia para tentar matar um homem, supostamente rival, que passava por operação no hospital justamente porque fora baleado. Ele não foi encontrado e sobreviveu.

As polícias Civil e Militar fizeram uma força-tarefa para localizar os invasores. Um deles, segundo a polícia, foi morto pelos próprios milicianos.

No caso de Costa Barros, a PM disse que ocupou por tempo indeterminado as comunidades. “A região apresenta grande complexidade, marcada por disputa entre grupos criminosos armados”, afirmou a corporação.

Os hospitais de maior complexidade possuem salas de polícia, com agentes de plantão —havia um policial no hospital Pedro 2°, na noite da invasão de milicianos. UPAs e clínicas da família, contudo, são afetadas tanto dentro, com a chegada de baleados e determinação para priorizá-los, quanto fora, com os tiroteios.

A Prefeitura do Rio enviou ofício à PM em 2023 pedindo reforço e ampliação dos plantões policiais em hospitais. Comandantes responderam ao ofício dizendo que as unidades de saúde sem plantão contam com o policiamento ordinário, de acordo com o planejamento do batalhão da área.

No caso de Costa Barros, a PM afirmou que “a instituição permanece aberta ao diálogo e seguirá atuando de forma integrada e contínua para garantir mais tranquilidade aos moradores”.

Com a disputa entre facções, aumentaram as entradas na UPA de Costa Barros de perfuração por arma de fogo. Foram 28 registros em 2023, 48 registros em 2024 e já 78 registros de janeiro a setembro deste ano.

A prefeitura adota um protocolo de segurança desenvolvido com a Cruz Vermelha que indica classificações de risco para atendimento em áreas conflagradas. Em casos de insegurança, o protocolo orienta fechar a unidade. A classificação também é seguida pelas escolas públicas.

Para a ambulância sair ou entrar nas unidades de saúde da Maré, é preciso pedir ao tráfico para retirar as barricadas, segundo profissionais de saúde que lá trabalham. O conjunto de favelas não convive com tantas disputas entre facções, mas com operações policiais.

Deitar no chão das enfermarias ou salas de espera para escapar do risco de tiro é comum a funcionários e pacientes, eles afirmam.

Durante uma operação policial na Maré em setembro, uma paciente que havia feito uma cirurgia e estava com a incisão aberta precisou ter sua admissão cirúrgica cancelada. A unidade de saúde a orientou a ir a outro hospital.

“Temos visto um aumento do número de barricadas em frente às unidades de saúde, o aumento de episódios de tiroteio, de pessoas baleadas dando entrada. O setor de saúde não está isolado da sociedade, faz parte do cenário, mas precisamos de um mínimo de tranquilidade”, afirmou o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz.

“Quando se invade uma unidade, ou quando há tiroteio, existe o risco do profissional, mas também do paciente.”

O Cremerj (Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro) afirmou que se reuniu em diversas ocasiões com a PM e com a Secretaria de Segurança Pública para pedir medidas de proteção aos profissionais. O conselho afirmou que mantém um canal em suas redes oficiais para receber denúncias relacionadas à segurança e que chegou a solicitar a inclusão de uma área exclusiva para médicos no aplicativo da polícia, o RJ 190, mas a medida não foi implementada.

“É inadmissível que médicos —assim como qualquer outro profissional da área da saúde ou não— exerçam suas atividades de forma amedrontada, o que certamente impacta a qualidade da assistência”, disse o presidente do Cremerj, Guilherme Nadais.



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