VLI ataca edital de ferrovia e diz que texto favorece Rumo - 03/11/2025 - Mercado

VLI ataca edital de ferrovia e diz que texto favorece Rumo – 03/11/2025 – Mercado

Uma disputa bilionária está em andamento no setor ferroviário, envolvendo duas das maiores companhias logísticas do país: a VLI, empresa de transporte controlada pela Vale e pela canadense Brookfield, e a Rumo, braço de infraestrutura do grupo Cosan.

Está em jogo o controle do transporte de grãos do país, a partir de uma nova ferrovia que está em construção entre Mato Grosso e Goiás e que vai se conectar a diferentes saídas portuárias.

A Folha teve acesso a um documento elaborado pela VLI e enviado à cúpula do governo em 31 de julho. No documento, tratado pela empresa como sigiloso, a companhia despeja críticas ao edital do governo para a concessão do chamado Corredor Ferroviário Leste-Oeste, malha de cerca de 2,4 mil km de extensão que vai integrar a Fico (Ferrovia de Integração do Centro-Oeste), que liga Água Boa (MT) a Mara Rosa (GO), ao traçado da Fiol (Ferrovia de Integração Oeste-Leste), que cruza a Bahia até o porto de Ilhéus (BA).

O material da VLI, apresentado quatro meses depois das audiências públicas do edital, etapa realizada justamente para debater de forma transparente as regras do edital, afirma que, da forma como está, o texto favorece diretamente a maior rival, a Rumo.

Em suas “contribuições adicionais ao edital”, a VLI diz que o texto cria uma “clara vantagem artificial” para a Rumo e pode levar a licitação ao fracasso.

Segundo a VLI, a estrutura econômica e regulatória do edital “desestimula novos concorrentes” e mantém o domínio da Rumo sobre o escoamento de grãos do Centro-Oeste, jogando toda a carga da região no colo da rival.

O argumento central da VLI é que a Rumo já controla as principais ferrovias que conectam Goiás e Mato Grosso até a chegada ao porto de Santos, o que inclui a Malha Central (RMC) e a Malha Paulista (RMP). Por isso, mesmo que a Rumo não vença a licitação da nova ferrovia, diz a VLI, continuaria a comandar o acesso à rota de exportação mais usada do país, o porto de Santos (SP).A malha da Rumo chega ao litoral paulista, mas não entra efetivamente no porto de Santos. Na baixada, ela se conecta a alguns quilômetros de trilhos controlados pela MRS, empresa que tem a Vale entre os sócios.

“A Fico estará pronta para operação antes da Fiol II e Fiol III, ou seja, antes que o sistema tenha saída para o mar por Ilhéus (BA) e seja autossuficiente para escoamento para exportação”, diz a VLI, ao afirmar que qualquer operador que assumir a nova ferrovia dependeria de trechos já controlados pela Rumo para chegar ao litoral.

“A concentração de mercado pode aumentar em até 10%, pois, de fato, a Fico restará completamente à mercê do Grupo Rumo, independente de quem seja o subconcessionário, uma vez que o Grupo Rumo já possui posição dominante via malha própria”, diz a rival.

Nos cálculos da VLI, a Rumo teria custos operacionais bem menores que qualquer novo concorrente, o que geraria um diferencial de até R$ 70 por tonelada transportada sobre os demais. Esse cenário, diz a empresa, abre espaço para que a rival use sua posição para “sufocar” a concorrência, por meio da prática artificial de “compressão de margens”.

O documento também diz que, em um cenário em que a VLI viesse a ganhar o leilão, seria mais vantajoso para a Rumo reduzir a tarifa cobrada em seus trechos do que utilizar a Fico e ter que pagar pelo direito de passagem à concorrente. A VLI faz uma análise sobre o interesse da Rumo em entrar na disputa.

“A estratégia de redução tarifária pela Rumo torna-se cada vez mais plausível e provável, especialmente porque a empresa não demonstra interesse em participar do certame da Fico na modelagem blocada”, afirma a VLI, referindo-se à oferta integrada aos trechos já em construção na Bahia.

Ao falar de “abuso de posição dominante”, a VLI diz que o grupo Rumo detém mais de 80% do mercado de transporte ferroviário de grãos no país e que teria condições de “capturar integralmente as cargas da Fico”, mesmo sem fazer aporte, capacitação e operação da infraestrutura.

“Em termos de efeitos sobre o mercado, a mera perspectiva de tal estratégia já é elemento suficiente a desencorajar a entrada de agentes bem informados”, diz a VLI, ao cobrar mudanças no texto.

Procurada pela Folha, a VLI declarou que “acompanha com atenção as políticas públicas, os debates sobre a expansão da infraestrutura ferroviária brasileira e tem contribuído de forma construtiva e colaborativa com o poder público para o aperfeiçoamento de um sistema logístico”.

Sobre os apontamentos feitos no documento, a companhia declarou que “não acredita que o edital tenha sido elaborado com a intenção de privilegiar qualquer empresa”.

A Rumo declarou que “participou das fases de audiência e consulta pública da modelagem nos canais institucionais adequados, apresentando contribuições técnicas, como previsto pelas regras do processo licitatório, com base em dados objetivos e visando à melhoria do projeto”.

A empresa pontuou ainda que é “uma operadora logística, não proprietária da carga, que presta serviços a terceiros e atua em regime de livre acesso e concorrência”.

O Ministério dos Transportes afirmou que o edital está em estágio final de modelagem e que “é natural e salutar que empresas interessadas em participar da licitação apresentem suas visões a respeito do projeto”. A VLI, inclusive, participou de reuniões técnicas na pasta e, segundo o ministério, suas contribuições estão sendo consideradas.

O ministério refutou, porém, alegações de que o edital em elaboração possa reduzir a competição no setor. “O Ministério dos Transportes leva a sério a concorrência, a integridade e a transparência. A carteira de projetos atualmente em estruturação pela pasta revolucionará o cenário logístico nacional, o que gera incômodo natural aos incumbentes [como VLI e Rumo] desse setor historicamente oligopolizado”, declarou.

Segundo o ministério, o objetivo do leilão é “liberar os embarcadores das duas alternativas logísticas ferroviárias atualmente existentes no país, uma delas via Santos (SP), operada pela Rumo, e a outra via Itaqui (MA), operada preponderantemente pela própria VLI e pela Vale, empresa de seu grupo econômico”.

A estatal Infra S.A. informou que os estudos estão em fase de ajustes para serem submetidos ao Tribunal de Contas da União.



Créditos

Comments

No comments yet. Why don’t you start the discussion?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *