Uma fábrica clandestina de armas desmantelada pela PF (Polícia Federal) em agosto tinha um esquema de importação de peças dos Estados Unidos e era chefiada por um homem preso em regime domiciliar no Rio de Janeiro, de acordo com investigações federais.
Sediada em Santa Bárbara d’Oeste, no interior de São Paulo, a indústria entrou na mira da corporação após um de seus agentes constatar que o parque fabril permanecia fechado em horário comercial, mas operava à noite e aos finais de semana com grande movimentação de caixas pesadas.
Era o início da apuração sobre um negócio que levou o MPF (Ministério Público Federal) a denunciar 11 pessoas no início de novembro.
A ação diz que o esquema começou em maio do ano passado sob a liderança de Silas Diniz Carvalho, na época preso preventivamente em Gericinó (RJ) aguardando julgamento em caso também ligado a armas. Foi para regime domiciliar em julho, dois meses depois.
Ele era acusado de manter fábrica clandestina de fuzis no centro de Belo Horizonte (MG). Usava uma empresa de fachada, no papel destinada à fabricação de esquadrias de metal, para ocultar o negócio.
Foi pego quando a PF descobriu um imóvel alugado por Silas no Rio de Janeiro onde estavam armazenados 47 fuzis, a maioria dentro de malas. O TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) o condenou a 13 anos de prisão. Ele recorre.
O inquérito seguiu, e novas diligências levaram a corporação à fábrica de Santa Bárbara d’Oeste.
As apurações indicaram que Silas estava à frente também deste endereço —mas neste caso com discrição. O mineiro nunca pisou no local nem revelou seu nome aos responsáveis pela fábrica clandestina.
Investigados disseram à PF que o responsável por injetar recursos na fábrica era um homem que se apresentava como Mikhail. Tratava-se na verdade de Silas, que usava diferentes números de telefone para contato, um dos quais registrado nos EUA.
Do mesmo anonimato se valia Marcely Ávila Machado, mulher dele, que dizia aos envolvidos se chamar Vitória. Segundo o MPF, ela era responsável pelo controle de caixa da indústria clandestina em Santa Bárbara d’Oeste e atuava também em operações de lavagem de dinheiro.
A Folha procurou por mensagem e por telefone durante três dias o advogado Handerson Murtha, que defende Silas e sua esposa. Não houve retorno –ele não respondeu mensagens e recusou telefonemas da reportagem.
A razão social da empresa do interior de São Paulo era KondorFly, um CNPJ voltado à produção de peças aeronáuticas aberto em nome de Gabriel Belchior –segundo PF, a ponte do esquema bélico clandestino nos Estados Unidos. Ele está foragido.
A corporação descobriu dois endereços ligados a Belchior nos EUA. O primeiro em Kansas City, capital do estado homônimo, e o segundo na Flórida. Ambos eram o destino, de acordo com as investigações, de peças de fuzis compradas da fabricante HK que eram posteriormente enviadas ao Brasil.
Não há detalhes na denúncia sobre como as peças chegavam ao Brasil, mas o MPF afirma que o responsável pelo recebimento delas era Janderson Ribeiro, que ainda não constituiu defesa na ação penal. Os advogados que atuaram em seu nome quando de sua prisão no interior paulista afirmaram à Folha que não trabalham mais no caso.
O galpão em Santa Bárbara d’Oeste tinha um amplo parque fabril para produzir armamento a partir de máquinas de usinagem —destinadas à fabricação e finalização de materiais como alumínio ou aço, por exemplo.
Tudo era previamente projetado. A PF apreendeu arquivos com modelos de armas —e de dezenas de peças delas— em 3D. Um deles se chamava “pcc-9-upper-1.snapshot.1.zip”.
A sigla PCC chegou a entrar na mira da PF ante a semelhança com a facção criminosa Primeiro Comando da Capital, mas se tratava na verdade de “Pistol Caliber Carbine”, uma adaptação para que pistolas semiautomáticas funcionem como submetralhadoras.
Depois de montadas, as armas eram enviadas a uma casa em Americana que, segundo a Polícia Federal, funcionava como um bunker à organização criminosa. No local foram apreendidos mais de 30 protótipos de fuzis, em vias de serem montados, e 45 caixas com peças destinadas à fabricação do armamento.
Segundo a PF, o principal destino do material bélico encontrado eram comunidades do Rio de Janeiro —para onde as armas iam em jatinhos particulares alugados por Belchior, líder do esquema segundo a PF.
A partir de dados de geolocalização, a corporação afirma que entregas foram feitas nos complexos do Alemão e da Maré, majoritariamente dominados pelo Comando Vermelho.


