A aprovação do projeto de lei Antifacção na Câmara dos Deputados foi muito comemorada pela oposição e lamentada pela base governista do presidente Lula (PT) na noite desta terça-feira (18), em Brasília. E esse é justamente o problema do PL para especialistas em direito criminal ouvidos pela Folha.
Para eles, o que se viu nas últimas semanas e que culminou na aprovação do texto do relator Guilherme Derrite (PP-SP) foi uma disputa político-partidária pela responsabilidade do projeto e não um debate técnico tendo como objetivo resolver os problemas do sistema prisional brasileiro e do combate ao crime organizado.
“A rigor, entre as divergências existentes no projeto original do governo e depois nas várias alterações sugeridas pelo relator Derrite e que foram aprovadas, não parece haver muita tecnicidade, não parece haver muita preocupação com questões constitucionais, com questões de garantias dos investigados de direitos humanos. Parece haver, na verdade, mais uma disputa política pela responsabilidade da aprovação desse projeto quando for aprovado”, analisa Gustavo Scandelari, coordenador do Núcleo Criminal da Dotti Advogados.
“Os debates não têm sido profundos, não têm sido técnicos em relação à solução do problema. Não tem havido uma preocupação genuína por parte dos representantes eleitos brasileiros em relação à solução do problema nestes pontos que têm sido levantados por eles e seus representantes na imprensa, como, por exemplo, a crise de segurança pública e a grande dificuldade que existe em nosso sistema de execução penal em relação à ressocialização, em relação ao controle de líderes de facções dentro do sistema prisional brasileiro”, diz Scandelari.
Renato Vieira, ex-presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) e doutor em direitos processuais penais pela USP, afirma que as versões do texto divulgadas por Derrite nos últimos dias só evidenciam o lado político desse debate.
Ele cita que o projeto encaminhado pelo governo, que também seria passível de críticas e aprimoramentos, trabalhava com ideias sérias, como a figura do infiltrado colaborador, “uma imensa novidade no cenário processual penal brasileiro”.
“Aí veio essa tendência irresponsável de primeiro apropriar-se do discurso antiterrorista e depois questionar a atribuição da Polícia Federal e colocar dentro do projeto uma ação civil de perdimento de bens. Então, o que o secretário licenciado fez foi emascular um projeto do governo criando um monstrengo. É isso que a gente está vivendo agora”, afirma Vieira.
Rodrigo Azevedo, professor da Escola de Direito da PUCRS e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, destaca que as propostas incluídas no PL pelo relator podem ter resultado oposto ao esperado, fortalecendo as facções criminosas em vez de combatê-las.
“O texto consagra um modelo de hiperendurecimento penal que ignora evidências, desorganiza o ordenamento jurídico e aprofunda a crise do sistema prisional, justamente o ambiente hoje mais controlado pelas facções. Ao eliminar a diferenciação entre lideranças e base, inviabilizar a progressão de regime como mecanismo de reinserção gradual e manter um sistema de confisco ineficaz, o substitutivo tende a fortalecer, e não enfraquecer, o crime organizado”, destaca Azevedo.
Gustavo Scandelari afirma concordar com três pontos do PL apresentado por Guilherme Derrite: a ideia original que partiu do governo federal de apenas atualizar leis penais específicas, a divisão entre os fundos estaduais de segurança e o fundo relativo à Polícia Federal e a criação de uma legislação específica para tratar das organizações criminosas ultraviolentas.
“Essa inovação parece louvável na medida em que significa uma maior organização do sistema legislativo. Nesse ponto me parece que ninguém discorda, de que é necessária uma inovação profunda, uma alteração relevante no quadro legislativo brasileiro para combater o crime organizado”, afirma.
Os especialistas criminais também dizem ver alguns pontos do PL que devem suscitar discussões no Senado por serem inconstitucionais ou por já existirem na legislação vigente.
“A suspensão do auxílio-reclusão para os parentes é um ponto de inconstitucionalidade, assim como o monitoramento de conversas de presos provisórios com familiares e pessoas do âmbito externo”, destaca Renato Vieira.


