Hospitais não envolvem pacientes em decisões clínicas - 06/12/2025 - Equilíbrio e Saúde

Hospitais não envolvem pacientes em decisões clínicas – 06/12/2025 – Equilíbrio e Saúde

Durante uma internação, você ou algum familiar já teve dificuldade de entender o diagnóstico médico? Sentiu-se exausto por que era impossível dormir devido ao barulho, a luz acesa e as interrupções constantes? Participou das decisões do seu tratamento? Suas angústias e medos foram escutados?

A maneira como as instituições tratam, escutam, informam e envolvem os pacientes em suas decisões de saúde, chamada de experiência do paciente ou cuidado centrado no paciente, tem sido cada vez mais discutida em eventos do setor, mas a aplicação desse conceito no dia a dia ainda é um desafio.

Um levantamento inédito realizado em 264 hospitais públicos e privados do país mostra que, embora 56% deles já tenham uma estrutura formal de cuidados centrados no paciente, apenas 20,8% contam com equipes capacitadas especificamente para este fim. Mais metade (54%) não possui orçamento dedicado à área, e 86,4% não realizam pesquisas próprias de satisfação ou experiência.

“Pela primeira vez, conseguimos traçar uma linha de base, qualificada e comparável, para acompanhar como o Brasil vai evoluir nos próximos anos”, diz Kelly Rodrigues, CEO da Patient Centricity Consulting, empresa que realizou a pesquisa com aprovação do Comitê de Ética da UPF (Universidade de Passo Fundo), no Rio Grande do Sul.

Kelly pesquisa sobre o tema há uma década, motivada pela má experiência vivida pela mãe, que enfrentou um câncer agressivo com falhas graves de acolhimento e comunicação. “Se eu, com toda a rede que tinha na saúde, vi minha mãe receber um diagnóstico sozinha no quarto, imagine o restante da população.”

Para o médico Walter Cintra Ferreira Júnior, especialista em gestão hospitalar e professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas), esse tipo de cuidado ainda está distante da rotina de muitos hospitais porque melhorar a experiência do paciente exige investimento consistente em equipes dedicadas. “É um dos maiores entraves, já que pessoal é o componente mais caro do setor de saúde.”

Segundo ele, um paciente não é um cliente comum, como o de um hotel ou de outro serviço, mas alguém vulnerável, cheio de medos, angústias e, quase sempre, acompanhado por familiares que também demandam atenção. Por isso, o trabalho exige preparo técnico e sensibilidade para lidar com expectativas delicadas.

O médico explica que a experiência do paciente é prejudicada pela fragmentação dos serviços de saúde. Cada área tende a agir isoladamente, por exemplo, médicos cuidam de prescrição, enfermagem do leito, nutrição da alimentação, mas sem integração real.

Na opinião de Ferreira Júnior, o cuidado centrado no paciente depende de uma governança assistencial capaz de garantir coerência em todas as etapas da jornada, algo que deveria ser guiado por um plano terapêutico singular. “Esse plano não é um roteiro rígido, mas um protocolo compartilhado para orientar a abordagem em múltiplas dimensões.”

Nessa lógica, o paciente deixa de ser um sujeito passivo e passa a ser uma voz ativa em seu cuidado. Ele precisa entender o que está acontecendo, ter acesso à informação e participar das decisões quando necessário. “Isso só é possível com equipes verdadeiramente interprofissionais, capazes de olhar o caso de forma integrada e contínua.” A ausência dessa visão, afirma, é uma das maiores barreiras atuais.

O foco, diz ele, deve ser na gestão de expectativas: deixar claro o que o serviço pode e não pode oferecer, evitando frustrações que surgem quando se promete algo que o hospital não conseguirá cumprir. Isso vale tanto para questões de conforto quanto para processos clínicos.

O estudo encontrou forte uma correlação entre acreditação hospitalar e maturidade nos cuidados centrados no paciente. Entre os hospitais avaliados, 50,6% tinham algum tipo de certificação. Mesmo assim, poucas conseguem atingir níveis avançados. Apenas 3% da amostra alcançou pontuação de excelência. “A acreditação prepara o terreno, mas não garante a experiência”, diz Kelly Rodrigues.

Kelly aponta motivos como pouca cultura de escuta ativa e ausência de sistemas de acompanhamento pós-alta como algumas das razões para a baixa taxa de excelência na área. Em muitos casos, segundo ela, pacientes procuram prontos-socorros por dúvidas simples, que poderiam ser resolvidas por telefone ou aplicativo.

Ela cita experiências internacionais, como na Espanha, que fazem esse acompanhamento e oferecem canais permanentes para dúvidas, monitoramento remoto e apoio ao autocuidado. “Isso evita reinternações, reduz custos e melhora desfechos clínicos. Aqui, ainda é exceção”, diz.

A Santa Casa de Porto Alegre (RS), que tem 60% dos pacientes vindos do SUS, é uma das instituições que avançou nesse tipo de cuidado. Após um reposicionamento no mercado, a instituição passou de um nível de satisfação dos pacientes de 60 para 80 pontos em um período de três anos.

Segundo Gisele Bastos, superintendente do hospital, a transformação envolveu duas frentes, com 37 profissionais, que desenvolveram mais de 200 ações. Vão desde melhorias no estacionamento, recepções e sinalização até intervenções profundas no corpo clínico, comunicação com pacientes e familiares e revisão de processos assistenciais.

Ela conta que foi criado ainda um escritório de monitoramento domiciliar, que acompanha atualmente cerca de 14 mil pacientes, tanto do SUS quanto os de planos de saúde que a instituição atende. “O foco é garantir continuidade do cuidado e reduzir fragilidades na jornada após a alta.”

Os maiores desafios hoje, segundo ela, são engajar o corpo clínico e manter os ganhos alcançados. “Depois de uma aceleração inicial, cada ponto adicional de melhoria exige esforço maior, e qualquer relaxamento da liderança repercute imediatamente na linha de frente.”

Cuide-se
Ciência, hábitos e prevenção numa newsletter para a sua saúde e bem-estar

Para Kelly Rodrigues, melhorar a experiência do paciente é mais do que humanizar o cuidado. “Durante anos ouvi que esse tema era um ‘mimo’. Hoje está claro que reduz custos, melhora desfechos e é essencial para a sustentabilidade do setor”, afirma.

Ela lembra que a experiência do profissional de saúde também precisa ser considerada: “Médicos têm sete minutos para dar um diagnóstico devastador. Sem apoio adequado, ninguém consegue oferecer boa experiência.”



Créditos

Comments

No comments yet. Why don’t you start the discussion?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *