Fafá de Belém colocou o Círio de Nazaré no calendário - 18/10/2024 - Mariliz Pereira Jorge

Fafá de Belém colocou o Vela de Nazaré no calendário – 18/10/2024 – Mariliz Pereira Jorge

Criada com um núcleo de umbanda nos fundos de morada, ainda assim fui batizada, fiz primeira comunidade e crisma. Ouvia de minha mãe, cavalo de Preto Velho e de Pombagira, que saber a crença da maioria da população era importante para minha formação, a mesma que ela teve até encontrar seu caminho numa religião de matriz africana, que agrega o erudito aos orixás, aspectos do catolicismo, do espiritismo kardecista e de cultos indígenas brasileiros.

Não era incomum passar a noite de sábado vestida de branco, impregnada pelo cheiro de defumação e de arruda, repetindo os pontos da umbanda, cânticos sagrados que preparam o envolvente para que as entidades façam a sua chegada em simetria com o projecto místico. A manhã de domingo, era reservada ao banco da igreja, ainda que fugisse da comunidade e da confissão, desde que decidi que unicamente eu poderia mandar se meus pecados eram pecados e parei de atormentar o espírito pelos prazeres da mesocarpo.

Mas paladar de igrejas, apesar de não ser de igrejas, de santos e de orações e de flertar com o proibido com mais frequência do que gostaria e de me entregar a ele sem que a consciência fique deformada. Mesmo distanciada de qualquer prática religiosa, até hoje me pego cantarolando pontos do saravá antes de submergir no mar ou quando caminho pela natureza, uma vez que se pedisse licença às entidades para que me recebam e me abençoem. E rezo. Muitas vezes com palavras que não estão nos livros sagrados, mas que conversam com meu coração obsesso. Fé ganhou um significado pessoal na vida adulta.

Há uma semana não me saem da cabeça algumas músicas que embalam o trecho do Vela de Nazaré, onde Fafá de Belém finca sua base. Com a Varanda, que pelo 14º ano recebeu convidados para escoltar essa que é uma das maiores procissões católicas do mundo, Fafá colocou o Vela no rodeio de grandes eventos do calendário pátrio, uma vez que o Carnaval, as comemorações de Iemanjá, em Salvador, a sarau de Parintins.

O envolvimento de uma das maiores cantoras do Brasil, devota de Nossa Senhora de Nazaré, traz prestígio ao Vela, que acontece em Belém e receberá a COP30 (conferência sobre as mudanças climáticas). O que encontrei superou o que eu imaginava de um evento religioso. Estavam lá os pagadores de promessa, ex-votos em diversas formas, uma vez que pinturas, partes do corpo feitas de cera, casinhas de papelão, revérbero da devoção e da gratidão dos fiéis. A procissão se arrasta por dias, pelo mar e pelas ruas de Belém. Leva, além de católicos, candomblecistas, crentes pentecostais, ateus e não religiosos, que prestigiam a frase coletiva da crença.

Não presenciei uma confusão, apesar da estimativa de dois milhões de pessoas, unicamente uma volume de pessoas em simetria. Fafá parece estar conectada a cada uma por uma virilidade invisível. Ela canta, puxa a reza, pede chuva para os romeiros, grita por passagem para a Cruz Vermelha, que leva os desmaiados pelo calor e pela fé. Uma maestrina que combina liderança e sensibilidade para que a comunidade seja completa. E eu que não sou de igrejas, de santos, de rezas, passei um termo de semana desejando “Feliz Vela” a desconhecidos, engolida por sentimentos subestimados: tranquilidade, empatia, carinho, paixão. Recomendo.


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