Anthony Hopkins conta de seu pai e álcool em autobiografia - 04/11/2025 - Ilustrada

Anthony Hopkins conta de seu pai e álcool em autobiografia – 04/11/2025 – Ilustrada

“Sinceramente, você é um caso perdido. Nunca vai chegar a lugar nenhum, nunca vai ser nada na vida do jeito que está indo (…) Qual é o seu problema? Você deveria fazer um exame de cabeça. Você não consegue fazer nada de útil?”.

O vaticínio do pai, como indica a autobiografia “Até que Deu Tudo Certo”, lançada mundialmente nesta terça, bateu fundo no jovem Anthony Hopkins. Ele era então um estudante cujo comportamento e cujas notas o faziam ser visto, no caro internato em que estudava, como um caso perdido.

Bater fundo, aqui, não significava, porém, abatimento. Ao contrário. No livro, Hopkins conta que, diante do acesso de fúria paterna, presenciado pela mãe, ouviu uma voz “suave, ponderada” sair de sua boca —”Um dia vocês vão ver. Vou mostrar para vocês dois”.

Talvez não seja exagero dizer que “Até que Deu Tudo Certo” é a forma de Hopkins, aos 87 anos, provar que seus pais e professores estavam errados. Seguindo os princípios da “jornada do herói”, muito usada em roteiros, o astro relata um percurso comum a muitos artistas de sucesso.

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Temos o jovem solitário e inadequado que, a certa altura, ouve o “chamado à aventura” —no seu caso, representado pelo convite para fazer um pequeno papel numa peça de Páscoa na associação cristã de moços de seu bairro. Vêm depois as muitas provações e, por fim, a recompensa.

É no palco, ao dizer sua primeira fala em cena —”Bem-aventurados os mansos, pois eles herdarão a terra”— que o garoto apelidado na escola de “Dennis, o Burro” e, na rua, de “Cabeça de Elefante”, começa a vislumbrar um futuro menos sombrio.Seu relato carrega a contradição de tratar, como fatos concretos, episódios ressignificados pelo tempo —é o caso da sua tomada de consciência da morte aos quatro anos de idade. Esse aspecto de linguagem, que empobrece os momentos intimistas, impacta menos o retrato de sua trajetória profissional.

É com riqueza de detalhes que Hopkins narra as passagens por cursos de teatro e companhias britânicas a partir de meados da década de 1950. Nessa fase, enquanto o talento abria portas, a tendência ao isolamento e o comportamento irascível as fechavam.

À instabilidade emocional, agravada pelo alto consumo de álcool, se somava a falta de uma técnica mais lapidada. A virada se daria a partir de 1961, quando se tornou aluno da Real Academia de Arte Dramática. Em 1967, ele substituiu Sir Laurence Olivier em “A Dança da Morte”, de August Strindberg. Em 1968, graças a um convite de Peter O’Toole, estreou no cinema em “O Leão no Inverno”.

Hopkins narra a escalada rumo ao sucesso de forma objetiva, quase como se ainda hoje tivesse dificuldade de se conectar a emoções mais complexas. Isso não significa que ele seja complacente consigo mesmo —ao contrário até.

Há, contudo, uma fina camada da intimidade que parece não ser rompida sequer quando ele descreve a relação destrutiva que teve com a primeira mulher, mãe de sua única filha, Abigail.

O mesmo se pode dizer de sua descrição do alcoolismo. A bebida tem, como em quase todas as biografias de alcoólatras, papel central. Mas, ainda que ele diga ter chegado ao fundo do poço, com alucinações e um corpo em frangalhos, o fim da dependência é descrito quase como em um passe de mágica.

Em dezembro de 1975, diz, “o desejo de beber se foi”. Nesse momento, ele entrou para o grupo Alcoólicos Anônimos, conheceu os 12 passos e “encontrou Deus”.

A sobriedade fez nascer um outro ator, aquele das performances memoráveis como as vistas em “O Homem Elefante”, de 1980, “O Silêncio dos Inocentes”, de 1991, e “Nixon”, de 1995 —para ficar em três títulos mencionados no livro.

Sobre “O Silêncio dos Inocentes”, ele escreve: “O que há de extraordinário (…) é que todo mundo que participou do filme sentia que aquele era o melhor trabalho que já havia feito”. É do relato sobre o recebimento do Oscar por esse papel que vem a frase que dá título ao livro: “Sim, até que deu tudo certo”.

Curiosamente, embora o leitmotif da narrativa seja “continue em frente, nunca olhe para trás”, seu norte é o passado no qual os fantasmas da ansiedade, da depressão e da solidão rondavam o ator.

No presente, muito marcado pela vida com a terceira mulher, Stella, Hopkins é um senhor idoso, “paciente e gentil”, que estava dormindo em casa quando foi anunciado o Oscar para sua atuação em “Meu Pai”, de 2020.

O herói, hoje, gosta de frases com um quê motivacional como “a vida acontece agora” e segura nas mãos sua recompensa: “Sonhei um grande futuro e, ao fazer isso, criei um futuro glorioso para mim”.



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