Conheça o misterioso profeta que inaugura o monoteísmo - 03/12/2025 - Darwin e Deus

Conheça o misterioso profeta que inaugura o monoteísmo – 03/12/2025 – Darwin e Deus

Este texto marca o encerramento da primeira e mais longa etapa da nossa jornada para compreender as origens dos grandes monoteísmos do planeta. Neste décimo episódio, chegamos ao marco que corresponde ao amadurecimento definitivo da crença num Deus único entre os antigos israelitas (para ser mais preciso, judaítas –eu já explico).

Recordemos nosso episódio anterior. Capitaneada pelo rei davídico Josias, a centralização do culto a Iahweh em Judá, o reino israelita que tinha sobrevivido no sul, havia se aproximado bastante de uma visão de mundo monoteísta. Não havia ainda, no entanto, uma negação explícita da existência de outros deuses, mas apenas a devoção exclusiva a Iahweh.

A morte de Josias, no fim do século 7º a.C., marcou uma nova fase de declínio para o reino de Judá, agora vassalo da Babilônia imperial. Nas últimas décadas de existência da monarquia, alguns reis da família de Josias se revezam no trono, ao sabor dos caprichos da potência mesopotâmica e de pequenas rebeliões malfadadas contra o império.

Por fim, o rei babilônico Nabucodonosor 2º perde a paciência com os insolentes judaítas, impõe um duro cerco a Jerusalém e captura a cidade no verão de 586 a.C. (A capital já tinha caído nas mãos dele uma primeira vez dez anos antes, numa outra revolta, menos desastrosa.)

Tanto Jerusalém quanto seu Templo são destruídos; Judá deixa de existir como entidade política independente; sobreviventes da família real, da elite e da classe dos artesãos, somando alguns milhares, são deportados para a Mesopotâmia. (O consenso entre os historiadores atuais é que o campesinato de Judá permanece em sua terra.)

As décadas de exílio em território babilônico parecem ter sido cruciais para a compilação e edição de quase toda a porção narrativa da Bíblia Hebraica/Antigo Testamento, do Gênesis ao Segundo Livro dos Reis. Mas, para os propósitos da nossa série, o produto mais importante do período exílico foi a carreira de um profeta anônimo que hoje só conhecemos pela alcunha de Deutero-Isaías ou Segundo Isaías.

Sim, o nome é esquisito, mas fácil de explicar. Pelo que sabemos, o “Isaías histórico” foi um profeta de Judá que viveu em fins do século 8º a.C. Mas, no mesmo livro bíblico que leva seu nome, a partir do capítulo 40, vemos o surgimento de uma voz poético-profética totalmente nova, muito diferente das profecias anteriores.

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Trata-se de uma voz que anuncia o fim do exílio, o retorno dos deportados de Judá (e seus filhos e netos nascidos na Babilônia) a Jerusalém. Tudo graças a Ciro, rei da Pérsia –citado nominalmente como “ungido” de Deus–, que tomou para si o império dos babilônios em 539 a.C. Ciro, oferecendo benesses aos povos recém-conquistados, parece ter autorizado pessoalmente a volta dos judaítas para sua terra.

A voz do Segundo Isaías é, de um lado, universalista. Assim como Ciro, um persa, recebe a qualificação de ungido, antes reservada quase sempre a profetas e reis israelitas, ele enxerga Iahweh como um Deus de proporções e interesses cósmicos, que controla tanto a natureza quanto os impérios do mundo –tudo pelo amor a seu povo. “Assim diz Deus, Iahweh, que criou os céus e os estendeu, que firmou a terra e o que ela produz, que deu o alento aos que a povoam” (capítulo 42, versículo 5).

Por outro lado, o Segundo Isaías é o satirista mais virulento da adoração a ídolos de outros deuses, decerto presenciada o tempo todo pelos exilados na Babilônia. No capítulo 44, por exemplo, ele ridiculariza o absurdo –do ponto de vista do monoteísmo nascente, é claro– daquele que corta uma árvore na floresta, usa parte do tronco como lenha para se aquecer e outra parte para fazer um ídolo divino. “E lhe dirige súplicas, dizendo: ‘Salva-me, porque tu és o meu deus’.”. A conclusão do Deus verdadeiro? “Eu sou Iahweh, e não há nenhum outro, fora de mim não há Deus”.

Completamente impotente no exílio, aquilo que restou da nação israelita atribui à sua divindade o mais elevado dos papéis. E o fim da condição de exilados parece comprovar o poder dele.

Retomaremos nossa história daqui a duas semanas, já em ritmo natalino –o que é muito apropriado, uma vez que vamos começar a abordar a figura de Jesus. Até lá!


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