É fácil confundir o ato de viver com o de produzir e consumir. Somos induzidos a isso a todo momento. Sempre existe algo a mais a conquistar. E, para comprar mais coisas, muitas vidas vão escorrendo entre aquele estreito período de um trabalho e outro, como se ela, a vida, fosse uma espécie de resíduo de uma agenda apertada.
Com o tempo, alguns acabam percebendo que é possível cumprir parte das expectativas internas e externas, mas ainda assim, passar despercebido diante da própria existência. Dá para ter reconhecimento enquanto está ausente de si. Dá para acumular reconhecimento e ainda assim não sentir inteiro ao final do dia.
Porém, viver exige certo grau de presença. E aqui não estou falando sobre presença performática, tão em voga em nossos dias. Estou falando sobre presença genuína, daquela que está tão fora de moda atualmente.Estar atento ao próprio corpo, ao cansaço que se acumula e ao prazer de um cafezinho pela manhã. Estar atento também às escolhas que parecem racionais, mas que, muitas vezes, apenas refletem hábitos introjetados pela cultura. Estar atento para procurar saborear o cheiro, as cores e as sensações de um novo dia.
Com o tempo, aprendemos, mesmo a contragosto, que viver envolve aceitar alguns limites. O corpo não acompanha todas as ambições. A mente cansa. O entusiasmo oscila, fazendo com que haja momentos em que avançar significa reduzir o ritmo.
Durante muito tempo, nos venderam a ideia de que viver é cumprir etapas. Estudar, trabalhar, produzir, acumular, resistir ao cansaço e, se sobrar tempo, tentar ser feliz nos intervalos. Mas quem procura explorar a arte do bem viver sabe que não funciona assim. Uma vida de significado escapa a lógica das caixinhas que foram construídas para prender.Escapar dessas caixinhas não significa rejeitar tudo nem viver em plena rebeldia. Significa procurar recuperar consciência sobre o tempo e sobre os próprios critérios de valor. É escolher, não viver apenas para corresponder, mas para sustentar um sentido próprio.
E viver… viver tem mais a ver com ritmo do que com velocidade. Existem fases em que tudo anda rápido demais e outras em que tanta coisa parece travar. E há também aqueles períodos estranhos em que nada acontece, mas algo muda por dentro. Esses momentos costumam ser tratados como improdutivos, quando talvez sejam os mais transformadores.
Nem todo dia precisa ser extraordinário. Alguns só precisam ser sentidos. Nem tudo está ao nosso alcance. Essa é a condição humana. Existe uma maturidade que chega quando a gente entende que escolher algo quase sempre significa renunciar a outra coisa.
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No fundo, viver é procurar sustentar algum grau de honestidade consigo enquanto o mundo pede desonestidade. É proteger espaços de sentido em meio a tantas irracionalidades. É não terceirizar a vida para o futuro, como se ela começasse depois da próxima conquista que nem sabemos se estaremos vivos para, de fato, desfrutá-la.
E, com o tempo… com o tempo percebemos que viver não é um estado permanente de plenitude, mas um exercício de ajuste fino quase diário. Um pouco mais de escolha consciente. Um pouco menos de piloto automático. E, se der sorte, você poderá desfrutar da sensação tranquila de que o dia passou e, de alguma forma bem simples, você esteve ali.
O texto é uma homenagem à música “Oração ao tempo”, de Caetano Veloso. Feliz 2026!
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