EUA: Rubio pressiona América Latina com tarifas e retórica - 18/09/2025 - Mundo

EUA: Rubio pressiona América Latina com tarifas e retórica – 18/09/2025 – Mundo

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A newsletter da Folha sobre América Latina, editada pela historiadora e jornalista Sylvia Colombo

As duras palavras e demonstrações de poder de Marco Rubio, secretário de Estado americano, na América Latina chamam a atenção. Nascido no cerne de uma comunidade de imigrantes, fez de tudo para se projetar como uma espécie de porta-voz dos cubano-americanos —aqueles que têm status e permissões para viver nos EUA, e são opositores viscerais ao castrismo. Rubio se apresenta como aquele que se transformou no que os americanos esperam dos latinos em seu território.Porém, como nada disso resolve o problema central de Trump —que consiste em devolver todo e qualquer imigrante que tenha saltado etapas do processo—, Rubio, que preserva em seu discurso alguma noção de “fairness” (justiça) e de compreensão com o que acontece com imigrantes já presentes no país, pode soar a alguns como brando.

Quais seriam, então, as consequências para o Brasil e a América Latina das medidas do secretário?A lógica que hoje move Washington na vizinhança é menos doutrina e mais opiniões pessoais. Como resume James Bosworth, um dos melhores analistas politicos que atua na região, entender a política dos EUA para a América Latina passa por mapear preferências individuais e disputas internas.Rubio opera nesse tabuleiro ao juntar guerra aos cartéis, controle migratório, tarifas e contenção da China numa mesma engrenagem, quando não necessariamente elas andam juntas, mas mesmo assim, elevando o custo de resistência de governos locais.

O Brasil tornou-se o laboratório mais visível. O tarifaço de 50% contra exportações brasileiras sinalizou que o comércio pode ser arma para condicionar decisões internas. Lula (PT) classificou a medida como política e ilógica. Depois da condenação de Jair Bolsonaro (PL) pelo STF, Rubio prometeu “responder” e comprou a briga discursiva com Brasília, testando até onde o Planalto tolera pressão econômica acoplada à interferência retórica.

No México, o chanceler costurou cooperação recorde em segurança e migração, mas sob a cláusula de soberania defendida por Claudia Sheinbaum: cada país realizando operações apenas em seu próprio lado da fronteira. Ele considerou os cartéis mexicanos como “terroristas”.No Equador, os EUA passaram a tratar os grupos criminosos Los Lobos e Los Choneros como organizações terroristas estrangeiras, abrindo caminho para sanções financeiras e cooperação policial mais intrusiva. A mensagem é que a agenda anticrime funciona como “chave mestra”, ajustada país a país. No caso equatoriano, tudo isso serve, ao mesmo tempo, porque é bandeira do recém-eleito Daniel Noboa, e porque os Trump e os Noboa —uma das famílias mais ricas do Equador, fabricantes e distribuidores de bananas a larga escala— andam de mãos dadas.A vitrine —e o risco— estão na Venezuela. Houve ataque letal a pelo menos uma lancha apontada como de traficantes e incremento da presença naval no Caribe, gesto que exibe força, mas também limites. Em paralelo, Washington reativou licença restrita para a multinacional Chevron escoar petróleo venezuelano e retomou voos de deportação a Caracas. O pacote combina pressão e pragmatismo e desmente a ideia de ruptura total. Drogas, não, fogo nelas. Petróleo, isento de ataques, que atravessem como for, pois terão toda a proteção.No Caribe, Rubio abriu o ano em viagem a Jamaica, Guiana e Suriname, depois de passar pela América Central e pela República Dominicana. Os governos insulares querem discutir o Haiti, vistos, turismo, energia e crédito. O chanceler, por sua vez, endureceu contra pagamentos a Havana pelas brigadas médicas e ventilou restrições de viagem a países com programas de cidadania por investimento —temas que atingem economias frágeis. Sem ofertas positivas equivalentes, sobra espaço para a China ocupar com financiamento e obras. Na Guiana, a ênfase é na segurança e no território de Essequibo, frente às pressões de Maduro. No Suriname, energia e minerais críticos voltaram ao centro.O saldo, por ora, é um método de alto impacto comunicacional e resultados irregulares. Onde o assunto sai do holofote presidencial, Rubio dita o ritmo. Onde esbarra em prioridades da Casa Branca —México, Venezuela e, sobretudo, Brasil—, sua margem encolhe e as contradições aparecem. Nos próximos meses, Brasília será o termômetro: o desfecho das tarifas, a calibragem da resposta diplomática e o humor dos mercados indicarão se a mão pesada rende ganhos duradouros —ou apenas ruído que empurra a região para outros braços.Rubio seria uma piada, se já não é, nos países latino-americanos nos quais tem influência. Parece pedir que todos sejam como eles, excelentes alunos nas doutrinas de extrema-direita dos EUA. Como se fosse o aluno mais destacado nessa matéria. Um cubano-americano em quem todos os esforços de doutrinação política teriam funcionado.Mas, não é bem assim, Rubio. As rodas de cubano ressentidas em Miami são infinitamente menores do que as que enfrentam a mão dura dos EUA. Nos últimos tempos, surgiram milhares de vozes que apresentam nuances na sua gestão.Mais uma prova de que Cuba não precisa da mão pesada dos EUA, mas liberdade para suas escolhas.

Mirada

Na última quarta-feira (10), a rede elétrica nacional de Cuba entrou em colapso pela quarta vez em menos de um ano, causando um apagão em todo o país.A operadora da rede afirmou que o colapso ocorreu às 9h14 (10h14, no horário de Brasília), deixando os seus cerca de dez milhões de moradores sem eletricidade. Os cubanos também enfrentam escassez de alimentos e de outros produtos em meio à pior crise econômica em décadas.

Latinas

“Calle Londres 38 – Dos casos de impunidad: Pinochet en Inglaterra y un nazi en la Patagonia” (Anagrama, importado)
Nesta obra, o autor Philippe Sands explora as conexões entre o nazismo e o regime de Pinochet (1973–1990). O livro narra a relação entre Augusto Pinochet e Walther Rauff, oficial alemão da SS (Schutzstaffel, a guarda de elite do Reich nazista) que, depois de deixar a Europa, encontrou refúgio em Punta Arenas, no sul do Chile. Quando o ditador chileno foi preso em Londres, em 1998, Sands foi contratado como advogado pela Human Rights Watch e teve a oportunidade de participar de um dos casos penais internacionais mais importantes desde os julgamentos de Nuremberg. “Calle Londres 38″ busca as origens dessa relação, com base em documentos, arquivos, depoimentos e conversas. Ouça o autor aqui.”Los Nuevos” (Emece, importado)
Novo romance de Pedro Mairal, autor de “A Uruguaia”, acompanha três adolescentes às portas da vida adulta. Thiago, em luto pela mãe e em conflito com o pai num balneário “hippie-chic” chamado La Lobería; Bruno, estudando e tocando baixo em Wisconsin enquanto tenta se situar afetiva e culturalmente; e Pilar, que perde o chão ao ver a avó internada e passa a morar de favor. O trio, emocionalmente frágil, se une para formar uma “família molecular” e, mais adiante, a banda Hijos únicos. A novela mergulha em saúde mental, pressões familiares e passagens rumo à autonomia, com vozes narrativas que se desmentem e a música como fio condutor e código afetivo. O autor fala sobre a obra aqui.”Milei – Una Historia del Presente” (ed. Planeta, importado)
Os argentinos são rápidos em escrever sobre o presente —prova disso é a quantidade de “instant books” sobre casos, figuras políticas ou episódios recém-ocorridos. Agora, à medida que o governo Milei entra em sua segunda metade, alguns balanços já são possíveis. Neste livro, um dos mais importantes jornalistas argentinos se dedica a reconstruir exaustivamente o percurso que transformou em referência política mundial um desconhecido chamado Javier Milei. Nesse processo, surgem confissões públicas sobre condutas íntimas, relatos de fatos traumáticos da infância e discussões apaixonadas sobre política e economia. Com isso, Ernesto Tenembaum realiza um retrato minucioso, revelador e profundamente inquietante do novo líder político da Argentina —e da sociedade que se deslumbrou com ele. Assista a uma entrevista com o autor aqui



Créditos

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