Mercedes Somich estava na mesa de operação quando sentiu que deixou seu corpo. Na primeira gravidez, aos 24 anos, já enfrentava um trabalho de parto doloroso quando precisou de uma cesariana de emergência. Mesmo com a epidural, dizia sentir o bisturi dos médicos.
“Eu estava sangrando muito”, lembra. Para conter a hemorragia, os cirurgiões massagearam seu útero. “A pressão era tão forte e rítmica que eu achei que estavam fazendo RCP [ressuscitação cardiopulmonar] no meu filho.” Ela descreve uma sensação de desistência: a visão escureceu, e ela flutuou em um vazio pacífico. Então pensou no bebê e, em pânico, sentiu que não podia partir. “A próxima coisa que soube é que voltei, e meu filho tinha nascido.”
O que Somich viveu não tem definição clínica, mas é conhecido como experiência de quase morte (EQM). Pesquisas indicam que até 17% das pessoas que quase morrem relatam algo parecido: luz intensa, paz profunda, sensação de deixar o próprio corpo ou atravessar um túnel.
Independentemente de como uma EQM possa se manifestar, esses eventos podem afetar permanentemente a vida de uma pessoa. “Uma experiência de quase morte pode ser bastante profunda, especialmente se for intensa”, diz Marieta Pehlivanova, assistente de pesquisa e professora de psiquiatria e ciências neurocomportamentais na Divisão de Estudos Perceptuais da Universidade da Virgínia, que estudou EQMs.
A experiência é difícil de compartilhar
Para muitos, falar sobre isso é difícil. “A maioria quer compartilhar”, diz Pehlivanova, “mas teme parecer louca ou não ser levada a sério”. Somich, hoje com 35 anos, diz que a EQM se tornou uma presença constante na vida. Ao contar aos amigos, percebeu que muitos não sabiam como reagir. “É meio místico”, afirma.
A intensidade da experiência também torna o retorno à rotina complicado. “Você se sente um com o universo, mas no dia seguinte precisa lidar com a vida real”, diz Christof Koch, neurocientista do Instituto Allen.
Valerie Kurkas, 60, viveu isso após uma parada cardíaca. Enquanto estava inconsciente, viu parentes falecidos em um bonde vermelho em São Francisco. Ao voltar ao trabalho, emocionou-se ao ouvir o chefe dizer que a equipe “sobreviveu a mais uma semana”: “Eu quase não sobrevivi a mais uma semana”, lembra.
Alguns relatam até uma espécie de nostalgia. “Muitas pessoas não necessariamente querem voltar à vida porque experimentaram esse amor incondicional, e agora têm que voltar para um corpo que está profundamente quebrado”, diz Pehlivanova.
Keir Whitson, 56, teve um infarto do miocárdio seguido por uma parada cardíaca. Ele ficou em coma induzido por medicamentos por um mês, e durante esse tempo, teve “uma sensação muito forte de que estava em algum lugar intermediário, entre a vida e a morte”, diz.
Agora, Whitson recorda esse lugar intermediário com “um pouco de tristeza”. Às vezes, certas músicas ou imagens desencadeiam uma lembrança disso, e sua mente o leva de volta.
Mudança na visão de mundo
As EQMs também podem transformar a visão de mundo. Ford Jun Taketa, 73, viveu uma durante uma cirurgia de emergência de aneurisma. Ele se viu de fora do próprio corpo e depois diante de um túnel, barrado por figuras que diziam que ele precisava voltar. A experiência mudou sua relação com a espiritualidade, consigo mesmo e com o medo da morte.
Quase 70% dos participantes, incluindo Taketa, de um estudo recente com 167 sobreviventes de experiências de quase morte feito por Pehlivanova e sua equipe, experimentaram mudanças nas crenças religiosas ou espirituais após terem uma EQM.
Outras pesquisas descobriram que as pessoas mudam suas prioridades ou têm uma mudança em sua visão de mundo, como se tornando mais empáticas e apreciativas da vida, ou menos preocupadas com objetivos materialistas.
Como procurar ajuda
Como Somich, Krista Gorman, 54, lutou para explicar a intensidade do que havia passado aos seus entes queridos. Gorman teve uma experiência de quase morte quando entrou em parada cardíaca enquanto dava à luz sua filha anos antes. Ela estava em uma maca de hospital em um corredor enquanto sua equipe médica a levava para a sala de cirurgia, e sentiu uma sensação de paz antes de perder a consciência. De repente, sua visão mudou, e ela estava olhando para a cena do nascimento de sua filha abaixo.
Quando ela contou ao seu então marido, ele não conseguia entender, diz. Gorman ficou “muito parano ica” sobre compartilhar sua experiência. “Na minha mente, era como se eu tivesse inventado tudo isso, mas eu estava tão fundamentalmente transformada que sabia que havia acontecido”, diz.
Somich, que assim como Gorman participou do estudo de Pehlivanova, eventualmente descobriu que fazer terapia ajudou, assim como se conectar com outras pessoas que tiveram cesarianas traumáticas. Grupos de apoio para experiências de quase morte, também podem proporcionar às pessoas um espaço seguro para compartilhar suas histórias, diz Pehlivanova.
No estudo de Pehlivanova, cerca de 64% dos 167 participantes buscaram ajuda após sua experiência de quase morte.
Obter o apoio adequado pode ser uma parte essencial da recuperação, explica a pesquisadora, já que “especialmente pessoas que têm EQMs intensas, elas tendem a mudar muito”.


