Após dois anos e 11 meses, Guilherme Derrite (PP) deixará o comando da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo nesta segunda-feira (1º) e voltará à Câmara dos Deputados para se dedicar à sua campanha ao Senado em 2026.
Ex-integrante da Rota (Ronda Ostensiva Tobias Aguiar), ele escolheu um evento da tropa de elite da PM paulista para sua despedida oficial da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Em uma eleição que deve ter a segurança como umas das prioridades, Derrite pretende enaltecer a queda recorde de roubos no estado e o aumento de prisões como alguns de seus principais legados na pasta.
Como deputado, deve continuar a defender no Congresso projetos que endureçam penas, assim como o fim da saidinha temporária e o PL Antifacção.
O projeto foi relatado pelo próprio Derrite, e ficou marcado por uma série de controvérsias. Ele apresentou diferentes versões da proposta e sofreu críticas tanto da oposição quanto do governo Lula (PT), que apontou que ele poderia enfraquecer a Polícia Federal. Apesar disso, recebeu apoio de Tarcísio e de outros aliados. No fim, o texto foi aprovado na Câmara e agora vai para o Senado.
Ao mesmo tempo que diferentes índices criminais apresentaram melhora em São Paulo —incluindo roubos, furtos e homicídios—, a gestão Derrite também ficou marcada pela regressão no combate à letalidade policial e pelo avanço da atuação do PCC (Primeiro Comando da Capital).
Um dos símbolos do fortalecimento da facção foi o assassinato de Ruy Ferraz, ex-número 1 da Polícia Civil paulista e tido como um dos principais especialistas do país na estrutura da organização criminosa. Ele foi morto em 15 de setembro em um ataque na Praia Grande. O Ministério Público aponta que a cúpula do PCC foi a responsável por ordenar o crime.
Foi também na gestão Derrite que a facção impôs um clima de terror em plena luz do dia no aeroporto de Cumbica, com a emboscada para assassinar o delator Antônio Gritzbach no dia 8 de novembro de 2024. Horas depois da morte, o secretário foi visto em uma festa à beira-mar na praia de Maresias, no litoral do estado.
Na ocasião, a pasta afirmou que o secretário participou de um evento particular e que a sua agenda pessoal não interferia no acompanhamento do caso.
O caso foi um dos episódios que causou um aumento da tensão entre ele e o governador. Como a Folha mostrou em junho deste ano, os dois já tinham negociado que Derrite iria deixar o cargo até o fim de 2025.
Após a publicação da reportagem, o secretario publicou um vídeo no qual admitiu que havia possibilidade para deixar o governo, mas refutou qualquer descontentamento de Tarcísio com o seu trabalho.
Segundo a Folha apurou, Tarcísio avalia que o secretário fez uso do governo para viabilizar a candidatura ao Senado desde o começo da gestão —Derrite foi um dos primeiros secretários confirmados.
Como exemplo, um integrante do governo cita a exposição de Derrite nas redes sociais com discursos contra o sistema judiciário, a quem culpa pela impunidade de criminosos.
“A gente não tem dificuldades em prender quadrilhas, criminosos. A gente tem dificuldade é com a reincidência criminal. É normal o indivíduo [André do Rap] que pertence à maior facção do Brasil sair pela porta da frente por uma decisão da Corte Suprema?”, disse o secretário em dezembro de 2023.
“A gente [polícia] ama o que faz, só que o nosso país não tem lei adequada para prender criminosos.”
Derrite também costuma usar seus perfis para fazer a defesa de policiais em casos de letalidade ou de operações com muitos mortos.
É o caso, por exemplo, da Escudo e da Verão, ambas realizadas no litoral paulista de meados de 2023 ao começo de 2024. Ao todo, elas deixaram um saldo de 84 mortos, e se tornaram as ações mais letais da PM paulista desde o massacre do Carandiru, quando 111 presos foram mortos em 2 de outubro de 1992.
As duas operações tiveram início após a morte de soldados da Rota — Patrick Bastos Reis em Guarujá e Samuel Wesley Cosmo em Santos.
As ações levaram a um aumento da letalidade policial, que já apresentava crescimento desde o início da gestão Derrite. Isso após uma sequência de quedas em 2022 com a expansão da implantação de câmeras corporais pela gestão João Doria (PSDB).
As mortes causadas pelos agentes caíram de 733 em 2019, primeiro ano de Doria, para 275 em 2022 (no qual o estado também foi governado por Rodrigo Garcia). Sob Derrite, em 2023, subiram para 384. No ano seguinte, 676. Até setembro deste ano, policiais de SP mataram 471 pessoas.
Crítico dos equipamentos e defensor do uso da força, a gestão do secretário colecionou excessos por parte de policiais. Um dos casos que mais chamou a atenção foi o de um homem arremessado de uma ponte na zona sul de São Paulo por um soldado no fim de 2024.
O episódio fez o governo recuar nas suas críticas ao uso do sistema de gravação. “Eu tinha uma visão equivocada, [as câmeras] são instrumento de proteção da sociedade e do policial”, afirmou Tarcísio, que durante a campanha de 2022 chegou a dizer que retiraria o equipamento.
Já o secretário disse que o equipamento “pode ser muito bom não só para o policial, como para população”.
Câmeras presas aos uniformes dos PMs também foram responsáveis por ajudar a esclarecer a morte de um homem em Paraisópolis, na zona sul, e de um morador de rua na região central. Ambos estavam rendidos e mesmo assim foram alvo de tiros dos agentes.
Já em outras estatísticas, a gestão Derrite apresenta melhoras em alguns indicadores. No caso dos roubos, por exemplo, o estado teve o melhor resultado da série histórica, com 12.766 queixas.
De 2022, último ano sob Doria e Garcia, que teve 242,9 mil registros, o indicador caiu a 228 mil em 2023, o primeiro ano de Derrite, e a 193,7 mil em 2024.
Já os furtos tiveram alta em 2023, com 576,6 mil registros, ante 526,6 mil em 2022, o último da gestão Doria/Garcia, mas depois caíram a 555,8 mil em 2024.
Os registros de vítimas de homicídio, apesar de altas pontuais na capital em 2025, também seguiram em queda já estabelecida no estado.
Apesar disso, a sensação de insegurança é recorrente entre os paulistas e, conforme disse um integrante da pasta, é algo que preocupa o próprio Derrite.
Cenas de latrocínios, como a do ciclista Vitor Medrado, 46, ao lado do Parque do Povo por causa de um celular, e a de Beatriz Sorrilha Munhos, 20, durante a venda de um drone, devem servir de munição por opositores de Derrite e Tarcísio no ano que vem.
Segundo pesquisa Datafolha realizada em abril, 64% dos entrevistados afirmam que a segurança piorou no período de um ano, 26% dizem que a situação não mudou, e 8% vê diminuição da criminalidade nas cidades paulistas.
No país como um todo, aqueles que notam avanço da criminalidade são 58%, enquanto 25% afirmam que nada mudou e 15% dizem ver melhora.
“É uma gestão marcada por uma performance midiática de um secretário que, desde o primeiro dia que assumiu o comando da secretaria, já estava em campanha”, diz Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.
“Ainda que tenha havido quedas de muitos indicadores, a sensação de insegurança é muito grande em São Paulo. As pessoas estão com muito medo como nunca tiveram, sobretudo medo de terem o celular roubado.”
A diretora-executiva também pontua que o controle do uso da força policial ou correto uso da força policial deixou de ser uma prioridade. “A polícia de São Paulo voltou a matar muito, a se expor, a morrer bastante. Foi deixado de lado um programa exclusivo e único no Brasil de profissionalização do uso da força.”
Outra marca negativa na era Derrite é a alta histórica nos registros de estupros, que passaram para um patamar na casa de 10 mil queixas em cada um dos três anos com ele à frente da pasta, algo até então inédito.
A gestão tem dito que atua para ampliar os canais para comunicação deste tipo de crime, com aumento de salas de Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) para atendimento ininterrupto, por videoconferência, em plantões policiais, além das delegacias territoriais.
Tarcísio ainda não anunciou quem será o sucessor de Derrite. O principal favorito é Marcello Streifinger, hoje à frente da SAP (Secretaria da Administração Penitenciária), que é visto como um quadro mais técnico e sem pretensões eleitorais. Mas há quem defenda o nome do delegado Osvaldo Nico Gonçalves, atual número 2 da pasta.


