IA: Justiça condena trabalhadora que inventou decisões - 19/09/2025 - Mercado

IA: Justiça condena trabalhadora que inventou decisões – 19/09/2025 – Mercado

O uso de IA (inteligência artificial) em um processo na Justiça do Trabalho em São Paulo resultou em condenação por litigância de má-fé, com multa de 5% sobre o valor da causa, a uma trabalhadora que processava o antigo empregador. A ex-empregada pedia R$ 125.466,95. Cabe recurso da decisão.

A condenação foi aplicada pelo TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região) à profissional após sua advogada utilizar julgamentos inventados pela IA, com decisões atribuídas a ministros do TST (Tribunal Superior do Trabalho) e outros órgãos.

Questionada pela Quarta Turma após pesquisa dos juízes para encontrar as ementas citadas na ação, a advogada se defendeu justificando que as alegações no processo foram geradas por IA de forma incorreta e que ela “não se atentou em retirar” os trechos.

As alegações utilizadas pela defensora faziam parte de um recurso apresentado ao TRT-2 após sua cliente perder a ação na primeira instância. A trabalhadora alegava ter sido vítima de práticas abusivas na empresa, assédio moral e ter sido exposta a trabalho insalubre sem a devida proteção.

Com isso, pedia na ação o direito à rescisão indireta —espécie de justa causa do patrão— indenização por dano moral, alegando ter sido humilhada; pagamento de horas extras; e ressarcimento pelo acúmulo de função.

Todos os pedidos foram negados e houve a aplicação da multa de 5% sobre o valor da causa por litigância de má-fé, com base no artigo 793-B da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

O juiz relator do acórdão, João Forte Júnior, afirmou que a advogada que assinou a petição foi quem construiu o conteúdo falso tentando “convencer o julgador de que outros tribunais entendiam da exata forma como alegou em seu recurso”, e cabia a ela fazer a conferência das informações.

“Não é minimamente razoável atribuir culpa à inteligência artificial quando esta depende de comandos de seres humanos (…) A utilização de ferramentas de IA não exime a parte de sua responsabilidade pelo conteúdo apresentado”, disse.

A condenação, no entanto, recaiu sobre a ex-funcionária, porque na Justiça do Trabalho quem responde é a parte.

Segundo a advogada Elisa Alonso, sócia do RCA Advogados, o uso de IA no Judiciário é uma realidade, especialmente em atividades administrativas e de apoio, como triagem de processos, análise de precedentes e gestão processual.

Há, no entanto, regulamentação do tema pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para que órgãos como TST e STF (Supremo Tribunal Federal) façam uso. Na advocacia, a IA vem sendo utilizada como apoio em pesquisas jurídicas e para elaborar petições, mas não há resoluções tratando do tema.

Para ela, o uso de inteligência artificial por advogados exige cautela. O principal risco está na chamada “alucinação” da IA —quando gera informações falsas, como aconteceu no caso julgado.

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QUAIS OS RISCOS DO USO DA IA NA JUSTIÇA DO TRABALHO?

“O principal risco está no uso indiscriminado e irresponsável, quando citações ou precedentes falsos são indicados sem conferência nas fontes oficiais, o que leva a distorções graves, levando, inclusive, às condenações por má-fé, conforme já noticiado em casos concretos pelos tribunais”, diz.

A advogada diz que a trabalhadora poderá recorrer ao TST, mas se for confirmada a litigância de má-fé, as penas previstas em lei incluem, além da multa, que pode variar de 1% a 10% sobre o valor corrigido da causa, indenização por eventuais prejuízos causados à parte contrária, além do ressarcimento das despesas e honorários advocatícios da empresa.

Ronaldo Ferreira Tolentino, do Ferraz dos Passos Advocacia e Consultoria e presidente da CFOAB (Comissão de Direito do Trabalho do CFOAB), afirma que o Código de Processo Civil determina o que pode ser considerado litigância de má-fé, incluindo alterar a verdade dos fatos e usar do processo para conseguir objetivo ilegal.

Para ele, mesmo que haja recurso ao TST, dificilmente a condenação por má-fé será afastada, e há ainda o risco de a penalidade financeira ser maior. “O TST pode reformar a decisão para afastar tal reconhecimento ou simplesmente alterar o valor arbitrado em relação à multa”, afirma.

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