Todos os dias fico em silêncio por 20 minutos. Na maioria dos dias pratico meditação no período da manhã, mas há dias em que medito no período da tarde. Sabe o que acontece nesse momento? Não acontece nada, mas isso muda o jeito como vivo a minha vida no restante do dia.
A meditação é uma prática milenar presente em todas as grandes tradições religiosas, inclusive na tradição cristã. Há diferenças nas técnicas meditativas e nos propósitos para meditar em cada uma das religiões, mas reina um consenso ecumênico entre elas: aquietar-se por alguns minutos é sagrado.
Já me acostumei com o espanto das pessoas quando sabem que sou pastor presbiteriano e praticante da meditação. Afinal, as igrejas evangélicas são mais conhecidas hoje em dia pelos grandes painéis de LED, semelhantes aos shoppings, e pela música gospel tocada no estilo dos shows de rock-and-roll.
O método que utilizo é inspirado nos Padres do Deserto, uma tradição cristã que data do século 3º e vem sendo adaptada ao longo dos séculos. Minha prática é a seguinte: assento-me em uma cadeira, afasto as costas do encosto, apoio as mãos sobre as pernas, fecho os olhos e observo a passagem do ar pelas narinas.
Os primeiros instantes já trazem alguma calma. Em seguida, quando inspiro, recito mentalmente no ritmo da inspiração o salmo 150 versículo 6: “Todo ser que respira”. Na expiração digo mentalmente: “louve ao Senhor”.
Enquanto estou meditando surgem pensamentos sobre os compromissos do dia, mensagens que preciso responder, problemas que preciso resolver entre outros. O que faço? Nada, apenas observo os pensamentos surgirem e desaparecerem enquanto volto minha atenção para a respiração feita no ritmo do salmo 150.
A prática diária da meditação melhora a cada ano minha percepção da presença divina no cotidiano. O olhar fica limpo para ver as cores das coisas e o ouvido mais afinado para escutar os sons ao meu redor. Outro dia, percebi-me na sacada do meu apartamento observando por minutos a dança das copas das árvores da rua sob o vento.
A meditação não é uma fuga da realidade, como alguns pensam, mas sim um método para entrar em contato direto com a realidade exterior e interior. Um dos meus mestres preferidos, o teólogo espanhol Pablo d´Ors, ensina que a meditação nos resgata da dispersão mental em que vivemos, nos devolve à casa e nos ensina a conviver com nosso ser.
Uma fonte de ansiedade para pastores, imagino que igualmente para padres, no período do Natal é a autocobrança pela produção de sermões e outras mensagens religiosas que sejam capazes de sensibilizar os frequentadores de cultos e missas natalinas. A prática da meditação, nos últimos anos, vem me libertando desse tipo de ansiedade religiosa.
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Permitam-me confessar-lhes: nos últimos Natais, algumas vezes, senti que eu não queria falar nada sobre o Natal, apenas vivê-lo no silêncio. É como se estivesse reaprendendo a falar sobre o Natal a partir da língua da alma, falar sobre algo que emerge no silêncio interior e não se guia pelas fórmulas doutrinárias prontas e seguras.
É um tipo de calma profundamente perturbadora, que guarda alguma semelhança com as perturbações experimentadas por José e Maria quando ficaram sabendo, pelo anjo Gabriel, que uma nova vida estava sendo gerada misteriosamente.
Em síntese, a meditação é um tipo de experiência virginal, a alma de quem medita vive cada encontro com o sagrado como se fosse a primeira vez. Não por acaso, os místicos gostam de falar sobre Deus a partir da linguagem da intimidade amorosa.


