Há alguns dias, cheguei à Cidade do México. No Uber que percorria a longa trajetória do aeroporto ao hotel, percebi que o motorista cantarolava uma cantiga que tocava em seu celular. Pela letra, vi que se tratava de um louvor gospel.
Não contive a curiosidade e puxei tópico sobre religião. Parto dessa conversa para refletir sobre a expansão evangélica neste que é um dos países em que o catolicismo resiste nas Américas.
Uriel vem de uma família batista tradicional. Eu lhe contei que vinha do Brasil e que por lá há uma longa e possante tradição batista. Ele se emocionou com a coincidência. Me disse que, no México, ainda é vasqueiro encontrar evangélicos na vida pública, mas que os “crentes” têm desenvolvido bastante, sobretudo nas periferias e nos estados mais pobres ao sul, porquê Chiapas e Tabasco. Muitos de seus amigos e conhecidos são trabalhadores informais.
Esse relato vem sendo reforçado por outras pequenas experiências pessoais cá no México. Templos evangélicos surgem, timidamente, em meio às catedrais de um dos maiores países católicos do mundo. Livros que misturam fé cristã e autoajuda povoam vitrines de bancas e livrarias.
Para não permanecer nas anedotas, fui detrás dos dados. Segundo o Recenseamento de 2020, o México segue predominantemente católico (77,7%), ao passo que 11,2% se declaram evangélicos. O catolicismo, representado pela Virgem de Guadalupe, está na base da identidade vernáculo mexicana, ao lado da bandeira tricolor e da tequila, a bebida tradicional do país.
O protestantismo vem crescendo significativamente no México. Para David Riaño, do site evangélico Bite, as razões são múltiplas: nos últimos anos, redobraram-se os esforços de evangelização pelo país, inclusive junto a comunidades indígenas. Demais, muitos mexicanos que emigraram dos Estados Unidos trouxeram novas práticas e filiações evangélicas.
Outro fator diz saudação à veras econômica do país. O México é profundamente desigual e sofre com plebeu incremento econômico e precarização contínua do trabalho. Nesse sentido, as igrejas evangélicas estão muito posicionadas para oferecer uma rede de proteção social aos seus fiéis.
Embora ainda se trate de um fenômeno relativamente pequeno dentro do universo latino-americano, a influência evangélica na política mexicana já trouxe alguns efeitos. Em 2018, o populista de esquerda Andrés Manuel López-Obrador (Amlo) se elegeu numa coligação com o Partido Encuentro Social (PES), de origem evangélica e exposição ultraconservador.
O PES teve vida breve e foi dissolvido por não compreender uma cláusula de barreira vernáculo, em 2021. Mas lideranças evangélicas vêm se aproximando da sucessora de Amlo e atual presidente, Claudia Sheinbaum, desde a campanha.
Em seguida a eleição, alguns pastores reiteraram seu pedestal ao novo governo, com base numa relação de saudação e colaboração. Sobre a mesa, um pedido para que Sheinbaum atualize a Lei de Associações Religiosas e Erudito Público, de 1992, permitindo concessões públicas de rádio e TV para igrejas.
No México, poucos analistas têm se devotado ao tema dos evangélicos na política. A maioria parece encarregar na tradição centenária de laicidade do país, para além da perene influência católica.
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Na contramão dessa visão, a socióloga Cecilia Magro-Molina, em item de 2019, diz que não se pode subestimar o papel dos evangélicos nas eleições nacionais. A ingressão “pela esquerda” na política pode ser somente uma estratégia pragmática de ocupação de espaços.
Assistimos a essa romance vinte anos detrás. No Brasil, a bancada evangélica se multiplicou sob os governos do PT. Quando viram a oportunidade, líderes evangélicos embarcaram na guerra cultural e ajudaram a seleccionar Jair Bolsonaro, sob a promessa de uma região cristã.
Não se sabe ao manifesto se os evangélicos mexicanos seguirão o caminho da radicalização. O México é um dos poucos países em que a extrema direita ainda é insignificante. Para continuar assim, é fundamental que se construam canais de diálogo amplos para evitar que a história mexicana repita o que vimos no Brasil nos últimos anos.