Uma juventude ávida por prazer e liberdade posteriormente 21 anos de ditadura militar. Cansada de tanta caretice, aquela novidade geração diluía seus traumas em festas, na esperança de outro país verosímil. “Você me abre seus braços/E a gente faz um país”, escreveu Antonio Cicero, eternizando o Brasil hedonista da dez de 1980 na música “Fullgás”, que virou hit na voz de Marina Lima, sua mana.
Não por possibilidade, “Fullgás” dá nome à exposição que reúne, no CCBB do Rio de Janeiro, obras de 200 artistas que produziram durante esse cenário efervescente, em diversas regiões do país. A mostra ainda passará por Brasília e São Paulo no ano que vem.
“‘Fullgás’ conversa com a sofreguidão pela liberdade, mas o temor da morte. O libido de desbravar o mundo e reinventar a sociedade brasileira, mas sem saber uma vez que”, diz Raphael Fonseca, curador da exposição, sobre o sentimento universal da era. “Há uma aceleração em muitos dos trabalhos, que contrastam com a melancolia metódico.”
A mostra é dividida em núcleos batizados com letras de hits da era, para realçar a sintonização das artes visuais com a explosão da música pop, em tempos de Madonna e Michael Jackson. Os ritmos eróticos e dançantes eram transmitidos em tamanho através de rádios e televisores a cores –mais acessíveis do que na dez anterior, assim uma vez que jornais e revistas de tipografias extravagantes.
Cansados do rigor concretista, que até logo sequestrava a forma livre e menosprezava a subjetividade emocional, artistas plásticos voltaram a testar com as cores e a figuração. A pintura, por facilitar a comercialização dos trabalhos no momento em que as galerias começavam a se expandir, se tornou o meio preposto da Geração 80.
“Há mais interesse na cor e um cansaço da arte combativa, que usava materiais alternativos uma vez que ações efêmeras e objetos. Os artistas queriam voltar para uma linguagem mais mercantil, e ao mesmo tempo mais pop, que dialogasse com quadrinho e televisão”, diz Fonseca. “Grande segmento da prática desses artistas bebia de elementos da cultura pop, e sua produção repensava essas mesmas mídias.”
Crescia, também, a representação queer nas artes, influenciada por fenômenos pop uma vez que Madonna, George Michael e Pet Shop Boys, e pelas primeiras publicações LGBT, uma vez que os jornais Lampião da Esquina e Chana Com Chana. “Cada vez mais artistas se assumem homossexuais e tratam disso em sua frase criativa”, diz Fonseca. É o caso de Leonilson e Rafael França, mas também do próprio Antônio Cicero e de Marina Lima.
“É mais do que proveniente que grande segmento da prática dos artistas bebesse de elementos da cultura pop e que sua produção repensasse essas mesmas mídias que se popularizaram”, diz Fonseca.
Exemplo é a tela “Os Embaixadores do Oriente no Brasil”, de Luiz Zerbini, que com cores fortes e um toque de realismo fantástico mostra dois diplomatas discutindo de costas para um terraço. A vista é um aglomerado de símbolos paisagísticos brasileiros, do vetusto Prédio Banespa ao Cristo Redentor. Ou, ainda, a pintura “Roupas no Varal e Bandeira do Brasil”, do mato-grossense Benedito Nunes, em que uma bandeira aparece pendurada no varal de uma mansão popular.
Apesar da mostra também festejar os 40 anos da exposição “Porquê Vai Você, Geração 80?”, feita no Parque Lage, considerada um marco para as artes e que lançou os nomes que ficariam conhecidos uma vez que a Geração 80, foram incluídos também artistas fora do eixo Rio-São Paulo. “O fazer artístico no Brasil, às vezes, é informal e precário. Nem todos tiveram uma curso internacional uma vez que Adriana Varejão e Beatriz Milhazes, ou contaram com o respaldo de uma galeria”, diz Fonseca.
“Porquê Vai Você, Geração 80?” foi organizada de forma orgânica, com artistas convidando uns aos outros para participar do evento em bares e outros ambientes em generalidade. Leda Catunda conta, por exemplo, que recebeu um telefonema de Leonilson, que ainda não conhecia, posteriormente uma exposição. Os dois jogaram conversa fora, até que ele perguntou se poderia se juntar aos colegas e exibir suas obras no Rio.
Pela sua despretensão, a mostra de 1984 não incluiu obras em vídeo, ainda que já tivessem artistas experimentando gerar com a mídia –Thomaz Farkas acabara de inaugurar a Bienal Videobrasil, mostra que até hoje é referência no meio.
Sandra Kogut, por exemplo, que mais tarde migraria definitivamente para o cinema, era uma das artistas que já experimentava o vídeo. O mesmo vale para Márcia X, que gravava propaganda de produtos falsos, exibidos na “Fullgás” em pequenas TVs de tubo espalhadas entre outras obras.
Além de performances, as telas mostram pedaços de programas que marcaram o imaginário popular, uma vez que o Xou da Xuxa, e as vinhetas inovadoras de Hans Donner, criadas para a buraco de novelas da Mundo uma vez que “Rainha da Sucata”.
Ao lado, estão dispostas ainda capas de discos de vinil e de revistas peculiares da era —uma vez que a UFO, que rastreava supostas aparições de discos voadores e extraterrestres em manchetes uma vez que “Disco voante segue boing da Vasp”. Foi deste caldo de referências da cultura de tamanho que os artistas beberam para renovar a produção artística do país.
Depois da sarau, porém, vem a ressaca. A redemocratização do país foi seguida por uma crise econômica de inflação galopante e pelo impeachment de Fernando Collor, enquanto a epidemia da Aids amedrontava a vivência dos prazeres. Se o momento era de sonho e libido, havia também frustração.
A dez de 1990, logo, se anunciou com obras de tom mais sombrio e reflexivo, introduzidas pelos versos de Cazuza: “eu vejo um museu de grandes novidades”. É o caso de “O Livro das Horas” e “Color Map”, de Paulo von Poser e Ana Amorim, duas telas fragmentadas em telas menores que mostram figuras esguias e temerosas, uma vez que se tentassem investigar a passagem do tempo.
“Essa geração foi a novidade, mas o que é isso em um país uma vez que o nosso? Quem conseguiu fazer curso, e quem precisou desistir?”, diz Fonseca, o curador. “Em oferecido momento, nenhum de nós será mais novidade, e o tempo pode ser mais cruel com algumas trajetórias do que outras. A teoria de que a sarau nunca acaba é uma grande miragem.”
O panegíricio e o temor em relação à brevidade da vida, somados às repetidas tentativas para pensar um horizonte, parecem ser codificadas em “Pilar de Cinzas”, de Nuno Ramos, última obra do volta. Uma espécie de estante em madeira abriga, empenhada, grossos blocos de cinzas em cada divisão, que um dia já foram alguma coisa que, uma vez que tudo, é efêmero.