Estamos em um momento em que questionar as estruturas é mais do que necessário. Mas, ao mesmo tempo, há algo no atual processo de transformação cultural que não tem se encaixado: as mudanças estruturais e comportamentais de que tanto carecemos parecem estar mais presentes em discursos do que realmente em ações. E, se formos sinceros, mesmo as conquistas das últimas décadas estamos distantes de atingir as camadas mais profundas da sociedade e de seus destemperos.
Se queremos falar de transformação cultural de fato, precisamos olhar além dos discursos pomposos, porém inócuos. Precisamos pensar além das estruturas que governam a sociedade e adotar um papel de protagonismo nas decisões a serem tomadas, tendo sempre em mente os impactos diretos na vida das pessoas. Mudanças reais não se fazem com palavras bonitas ou com pequenos acertos de rota. Elas acontecem quando decidimos agir de forma organizada, garantindo que todos tenham as mesmas chances, direitos e respeito.
Estamos em um momento em que as grandes discussões não têm como fugir dos conceitos de diversidade, inclusão e igualdade. No entanto, como esses conceitos se traduzem no dia a dia? O que vemos é uma tendência de se resolver os problemas na superfície e somente focando no curto prazo.
A questão é que a transformação cultural não acontece de uma hora para a outra e nem por imposição ou modismo. Ela precisa ser semeada e cultivada de forma constante, coerente, ampla e integrada. Os desafios em relação às diversas dores da sociedade não podem ser tratados de maneira isolada. Eles são a essência do que define as condições de vida de cada pessoa. Não é possível falar de mudança sem repensar nossos modelos e agir de forma mais coletiva.
No mundo empresarial muito se falou de inclusão, mas a realidade é que, em diversos casos as mudanças foram apenas superficiais, feitas para mostrar ao mundo que estavam acompanhando as tendências. Entendo que a verdadeira transformação em uma organização não está em uma ação isolada de marketing, mas na maneira como a empresa estrutura seu propósito seus processos internos, suas práticas de contratação, como remunera seus funcionários e, claro, como gera oportunidades reais de desenvolvimento para todos os seus stakeholders, sua comunidade e não apenas seus acionistas.
Se estamos falando de transformar a sociedade, precisamos começar pelo que as empresas realmente fazem. E é aqui que a maioria erra: elas fazem ações de “responsabilidade social” que, na maioria das vezes, não vão além de uma campanha pontual para agradar à imagem pública, sem um compromisso genuíno com a mudança. Transformar a realidade de um ambiente de trabalho, de um setor ou de uma cidade exige mais do que simples ações: exige uma reformulação das práticas que, de fato, excluem.
E quando pensamos em nós cidadãos, precisamos entender que a transformação verdadeira exige que estejamos dispostos a desconstruir tudo o que acreditamos ser “natural”. Não adianta mais ter apenas um discurso bonito. Precisamos olhar para as estruturas e realmente perguntar: quem está ganhando com tudo isso? E quem está sendo deixado para trás?
O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço “Políticas e Justiça” da Folha de S. Paulo sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Alain S. Levi foi “I Need to Wake Up”, de Melissa Etheridge.
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