A inteligência artificial tem capacidade de fazer o comércio mundial crescer quase 40% até 2040. A estimativa está no último relatório anual da Organização Mundial do Comércio (OMC), lançado nesta quarta-feira (17). O salto, no entanto, só viria com redução da exclusão digital, investimento na capacitação de trabalhadores superados pela tecnologia e um ambiente de negócios aberto e estável. Exatamente o que o planeta não experimenta neste momento.
Pelo contrário, bens relacionados à IA já produzem uma explosão de restrições tarifárias, de 130 em 2012 para quase 500 em 2024. A ação defensiva é liderada por economias de renda alta ou média alta, no léxico da entidade, muitas delas críticas à guerra comercial instalada pelo presidente dos EUA, Donald Trump.
“Os efeitos do desenvolvimento e da implantação da IA causam receio de que muitos trabalhadores, e até economias inteiras possam ficar para trás”, alerta Ngozi Okonjo-Iweala, diretora-geral da OMC, no prefácio do relatório. A economista nigeriana usa um exemplo recente em seu alerta. “As últimas décadas de globalização trouxeram grandes ganhos tanto para os países ricos quanto para os pobres, mas muitas pessoas e regiões não compartilharam adequadamente dos benefícios.”
A exclusão, diz Okonjo-Iweala, tem muito a ver com as tensões atuais em torno do comércio. E isso “é uma experiência que não podemos nos dar ao luxo de repetir com a revolução da IA”. O tarifaço de Trump e a solução protecionista ultrapassada, de mais de um século de idade, aparecem nas entrelinhas e justificam o tema do relatório.
De acordo com a OMC, economias de renda baixa poderiam mais do que dobrar seus rendimentos até 2040 se conseguissem alcançar a metade do nível de tecnologia e infraestrutura dos países mais ricos. O salto de 8% para 15% de aumento dependeria também do redesenho das relações de comércio e das políticas adotadas pelos países.
“Políticas complementares em áreas como infraestrutura, energia, educação e apoio governamental são igualmente importantes”, declarou Joanna Hill, vice-diretora-geral da OMC e responsável pelo centro de pesquisa e estatísticas da entidade.
Nas projeções para 2040, o aumento no comércio global alcançaria um incremento de 34% a 37%, a depender do cenário estimado. No caso do comércio de serviços digitais, que inclui a própria IA, o crescimento chegaria a 42%. Tudo isso se daria pela redução de custos operacionais, por um salto na comercialização dos serviços digitais, cuja produção é concentrada geograficamente, e pelo crescimento acima da média de setores mais comercializáveis em formato digital.
A IA derruba barreiras de linguagem a custos de logística, agiliza verificações regulatórias e de conformidade. O relatório traz exemplos que vão de uma agritech de Gana, que desenvolveu uma ferramenta de apoio a agricultores em 27 idiomas, à gigante dinamarquesa Maersk, que eliminou custos comerciais transversalmente em sua operação de marinha mercante.
O PIB global, em resumo, pode subir de 12% a 13% na próxima década e meia, a depender das escolhas dos governos atuais. Além de enfrentar a exclusão digital, será preciso requalificar trabalhadores que, no curto prazo, perderão empregos para a IA.
O estudo, no entanto, prevê um pequeno incremento no total de empregos ao fim do processo e um efeito peculiar sobre os salários: haverá uma tendência de trabalhadores menos qualificados ganharem um pouco mais e os mais ou altamente qualificados ganharem menos, diminuindo a diferença entre os grupos.
Um tom de otimismo moderado do relatório contrasta com o momento vivido pela OMC, produto de um multilateralismo que Trump combate desde seu primeiro mandato. Em sua defesa, a entidade recorda que, a despeito “do momento extremamente complexo”, 72% das mercadorias que circulam pelo mundo seguem o regime da OMC.
O Brasil aparece três vezes no relatório. Como exemplo de utilização de IA na facilitação de processos aduaneiros, como país que trabalha uma legislação específica sobre a tecnologia, a exemplo da Europa e diferentemente dos EUA, e uma agência para sua supervisão. A citação não detalha a disputa que ocorre no Congresso e na sociedade civil em torno do tema.