Religiosas vivem entre clausura e conectividade em SP - 27/09/2025 - Cotidiano

Religiosas vivem entre clausura e conectividade em SP – 27/09/2025 – Cotidiano

Construído em 1774, o Mosteiro da Luz, na avenida Tiradentes, contíguo ao Museu de Arte Sacra, é o endereço das monjas concepcionistas da Ordem de Imaculada Conceição.

Em convivência de clausura e com organização matriarcal, 12 mulheres se dividem em tarefas do dia a dia que vão de cuidar do jardim, lavar roupa e cozinhar, passando pelo atendimento aos fiéis, e, há alguns anos, a atualização do site e das redes sociais do mosteiro, num exercício diário de equilíbrio entre o compromisso de servir a Deus e a conectividade. A primeira publicação no perfil no Instagram data de 28 de maio de 2023.

Na pequena recepção, dezenas de imagens de santas e santos católicos dão destaque especial para um deles: são Frei Galvão. O rosto e outras tantas imagens do santo aparecem em muitos outros cômodos da imponente construção no centro de São Paulo.

Não é por acaso. Frei Galvão, monge franciscano, que, assim como as irmãs, tem como votos a pobreza, a obediência e a castidade, é inspiração para os religiosos devocionais que lá vivem bem como para os fiéis que buscam auxílio no local.

Na antessala, três elementos chamam a atenção: a roda dos enjeitados; uma porta imensa de madeira maciça escura com os dizeres “clausura”; e uma espécie de guichê onde, em uma folha sulfite se lê: “pílulas do Frei Galvão máximo de três por pessoa”.

Ao seguir em frente, uma outra porta, igualmente imensa, é aberta e dá para um longo corredor. A parada, no entanto, é logo no começo, à direita, no chamado locutório, uma sala ampla, dividida ao meio por uma grade de ponta a ponta.

É nesse local que as religiosas recebem visitas de parentes e de fiéis. A separação física é rígida e a irmã Fabiana Imaculada Conceição, que recebeu a reportagem, disse que os abraços, mesmo com familiares, são raros.

“Tem uma questão de segurança, mas é também um elo para mostrar para o povo que nós estamos mais com Deus, entende? Mas nem por isso deixamos de estar com os irmãos nas orações, por exemplo”, diz.

Em poucos minutos de conversa, os termos “os de dentro” e “os de fora” vão aparecendo repetidas vezes. Aos 44 anos, ela disse seu “sim” para a ordem aos 24 anos. “Assim como fez Maria”, faz questão de ressaltar. E teve em Madre Tereza de Calcutá uma inspiração. “Quando ela morreu, eu pensei: ‘uma vida inteira dedicada à igreja’”, afirma.

Enfrentou resistência da mãe ao contar que iria, espontaneamente, se desconectar do mundo exterior pela clausura. Para ela, existe preconceito e desconhecimento sobre a prática. “É até compreensível porque é uma doação total. Mas para mim, a clausura não é só um lugar. É uma opção de vida, de estar mais apartada do mundo, sem estar diretamente trabalhando com as pessoas, no apostolado, mas em oração constante.”

A prática da clausura começa com Santo Antão do Egito, no século 6º, considerado o primeiro eremita da história da humanidade. A ideia é que quanto mais afastado das coisas mundanas, a conexão com o divino seria maior. Irmã Fabiana segue defendendo essa lógica, mesmo em um mundo em que a conectividade acaba sendo cada vez mais inescapável.

A gente tem uma conectividade que nos propicia informações, relações com o mundo todo, mas isso também trouxe muitas coisas ruins. Quando chega alguém em aflição, com algum sofrimento, é importante eu saber também como vocês vivem aí do lado de fora para eu também poder compreender melhor

Dentre as muitas atividades rotineiras, as irmãs concepcionistas são as responsáveis por fabricar artesanalmente e entregar aos fiéis, de forma gratuita, as pílulas de Frei Galvão. Feitas de papel de arroz, acompanham uma oração que remonta o século 18, período em que o santo viveu.

“Nós enrolamos esse papel, cortamos pequenininho e embalamos num pacotinho, onde nós colocamos três pilulinhas, que é o que a gente distribui por pessoa, e nisso distribuímos também junto a oração que os fiéis fazem”, diz Fabiana.

Segundo ela, são distribuídas cerca de mil pílulas por dia. E a fé vem pela internet também. “A gente ainda recebe bastante carta, mas também e-mail e tem quem agradeça e há quem use o Instagram.”

Quando questionada sobre algum milagre do qual se recorde, nem hesita. “O neto de uma senhora que sempre vinha aqui, devota de Frei Galvão, se afogou. Ele foi socorrido praticamente já sem vida. Ela veio buscar as pílulas e o menino reviveu”.

Irmã Fabiana reconhece a tendência das últimas décadas do processo de esvaziamento de praticantes do catolicismo, em especial os mais jovens. Ao mesmo tempo, os evangélicos das mais diversas denominações veem seu seguidores crescerem.

Para ela, a chegada da internet na clausura pode ter vantagens e desvantagens. “A gente tem uma conectividade que nos propicia informações, relações com o mundo todo, mas isso também trouxe muitas coisas ruins”, afirma. “Quando chega alguém em aflição, com algum sofrimento, é importante eu saber também como vocês vivem aí do lado de fora para eu também poder compreender melhor”.

São justamente as informações nas redes sociais que tem auxiliado as monjas a explicar um pouco mais da rotina delas. No site do mosteiro, há um banner chamando especificamente mulheres que queiram se dedicar à vida religiosa.

Dentro da Igreja Católica, mulheres não podem, por exemplo, rezar missa. Isso é uma função de religiosos homens. Para irmã Fabiana, cada um tem sua função e importância.

Sobre a política e os acontecimentos do mundo, irmã Fabiana afirma que elas “conversam entre si sobre algumas notícias”, mas se esquivou de posicionamentos políticos.



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