O presidente Donald Trump assinou mais decretos em menos de um ano na Presidência do que em todo o seu primeiro mandato —passando por cima do Congresso repetidamente e forçando os tribunais a lidarem com os limites constitucionais de seu poder.
Trump assinou na segunda-feira (15) uma ordem instruindo que o fentanil seja considerado “arma de destruição em massa”, o 221º decreto de seu segundo mandato. Desde sua posse, Trump tem usado os decretos para impor tarifas abrangentes, buscar retaliação contra seus supostos inimigos e opinar sobre questões culturais grandes e pequenas, desafiar leis de imigração e até regular a pressão da água em chuveiros.
Até 12 de dezembro, um terço dos decretos de Trump havia sido explicitamente contestado nos tribunais, de acordo com uma análise do Washington Post a partir de dados das organizações CourtListener e Just Security.
Os presidentes americanos vêm consolidando o Poder Executivo para driblar o Congresso desde o início do século 20. Mas Trump acelerou a tendência, que se intensificou nas últimas décadas em meio a um declínio na atividade legislativa e a um aumento do confronto partidário.
Trump reforçou essa linha de ação ao repetidamente ignorar um Congresso que seu próprio partido controla. A abordagem permitiu resultados rápidos, algo que a legislação raramente proporciona, mas também deixou algumas de suas conquistas mais valiosas vulneráveis a contestações judiciais e possíveis reversões por futuros governos.
Dos 11 decretos que tinham como objetivo retaliar contra inimigos políticos de Trump, quase três quartos foram contestados.
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“Enquanto Trump brilhantemente adotou medidas imediatas para reverter rapidamente a catástrofe de Joe Biden, que causou quatro anos de dor aos americanos, espera-se que muitas dessas políticas sejam transformadas em lei pelo Congresso, garantindo que as políticas populares do presidente mantenham a América grandiosa para as gerações futuras”, disse Taylor Rogers, porta-voz da Casa Branca, .
Quase um quarto dos decretos de Trump visou ao comércio ou à política econômica. Outras categorias importantes de decretos incluem a burocracia federal; mudanças no Exército e na política externa; e questões relacionadas a raça e cultura.
O ritmo das ações de Trump sobrecarregou a capacidade da administração de dar seguimento em alguns casos, disse Mike Howell, que foi funcionário do Departamento de Segurança Interna durante o primeiro mandato de Trump. “A implementação é o problema”, disse Howell, que agora lidera o Projeto de Supervisão, que começou como um braço de pesquisa da Fundação Heritage. “O volume [de decretos] dificulta o cuidado com cada uma delas.”
Rogers, da Casa Branca, disse em resposta: “Em tempo recorde, o presidente Trump cumpriu mais promessas do que qualquer outro presidente na história moderna.”
Os tribunais impediram Trump de alterar unilateralmente as regras federais de registro eleitoral, proibir assistência médica para pessoas transgênero e punir escritórios de advocacia que representaram causas ou clientes aos quais ele se opõe. A maioria dos juízes da Suprema Corte pareceu cética em relação às tarifas de Trump durante as sustentações orais no mês passado, e a alta corte disse que ouviria um processo sobre a proibição de Trump à cidadania por direito de nascimento.
“É importante diferenciar que alguns de seus decretos têm como objetivo passar uma mensagem”, disse Marc Short, um conselheiro de longa data do ex-vice-presidente Mike Pence. “Ele aprendeu que pode controlar uma narrativa convidando a imprensa para o Salão Oval, discutindo um assunto e assinando um decreto.”
Sendo apenas o segundo presidente a cumprir mandatos não consecutivos, Trump teve quatro anos para aprender com os erros de sua primeira Presidência e se preparar para a segunda.
“Este é um presidente que passou quatro anos fora do poder, remoendo-se sobre coisas que queria realizar em seu primeiro mandato e nunca conseguiu”, disse John Malcolm, vice-presidente do instituto jurídico da Fundação Heritage. “Ele estava determinado a não deixar a grama crescer sob seus pés quando iniciasse seu segundo mandato.”
Uma parte de seus decretos foi elaborada nos anos entre seus mandatos, quando funcionários que agora fazem parte de seu gabinete trabalhavam em organizações como a Fundação Heritage e o Instituto de Política América Primeiro (AFPI). Will Scharf, o secretário de gabinete do presidente, e Stephen Miller, chefe de gabinete adjunto, também são conhecidos por terem grande influência sobre os decretos.
Um funcionário da Casa Branca que falou sob condição de anonimato para discutir processos internos disse que cada decreto é “totalmente examinado e revisado” pelo advogado da Casa Branca, pelo escritório de Scharf e por Miller.
Os decretos não são explicitamente mencionados na Constituição, mas os presidentes têm contado com ações unilaterais semelhantes desde a fundação do país. George Washington (1789-1797) baixou diretivas que hoje seriam classificadas de decretos, e Abraham Lincoln (1861-1865) usou um deles para fazer a Proclamação de Emancipação, disse Douglas Brinkley, professor de história na Universidade Rice. No início do século 20, Theodore Roosevelt (1901-1909) usou decretos para driblar o Congresso e ampliar a autoridade presidencial.
Franklin D. Roosevelt (1933-1945), que governou durante vários estados de emergência nacionais, assinou mais de 3.700 decretos durante seu mandato —ordens para estabilizar a economia durante a Grande Depressão, expandir programas do governo federal e mobilizar o Exército durante a Segunda Guerra Mundial.
“Em tempos de guerra, você sabe que pode fazer coisas extraordinárias”, disse Brinkley. “Então Trump quer criar uma atmosfera de guerra em relação ao que ele considera uma invasão de trabalhadores [imigrantes] sem documentos.”
A adesão de Trump aos decretos representa uma evolução significativa. Como candidato, ele criticou repetidamente o presidente Barack Obama por depender dessa ferramenta executiva. “Temos um presidente que não consegue fazer nada”, disse Trump a um entrevistador em janeiro de 2016, “então ele continua assinando decretos por toda parte.”
Enquanto muitos presidentes faziam cerimônias reservadas, Trump convida a mídia para o Salão Oval para a assinatura de decretos várias vezes por semana —saboreando os holofotes e aproveitando a oportunidade para fazer declarações atacando seus críticos.
Trump começou o primeiro dia de seu segundo mandato com uma cerimônia no palco da Capital One Arena, onde assinou ordens para rescindir dezenas de ações executivas de Joe Biden, congelar contratações federais e adiar a proibição do TikTok.
Ele assinou uma ordem proibindo atletas transgêneros em equipes esportivas femininas, cercado por atletas mulheres na Sala Leste. Ele assinou uma série de ordens que eliminaram barreiras regulatórias sobre a inteligência artificial. E quando baixou um decreto sobre assistência social e lares temporários, passou o documento para a primeira-dama Melania Trump assinar.
Quando Trump assinou o decreto sobre o fentanil, pediu aos militares que haviam acabado de receber a “Medalha de Defesa da Fronteira Mexicana” para juntaram-se a ele. “Que tal se reunirem ao meu redor e levantarmos isso?” disse Trump, erguendo seu 221º decreto diante dos repórteres reunidos no Salão Oval. “Vamos tirar uma boa foto.”


