Mario Vargas Llosa, morto neste domingo aos 89 anos, foi um dos poucos romancistas latino-americanos que conquistaram um público leitor no mundo todo.
Ainda jovem, já havia publicado três romances, meus preferidos de sua prolífica produção literária são “A Cidade e os Cachorros”, de 1963, “A Casa Verde”, de 1966, e “Conversa no Catedral”, de 1969. Nesses livros —lidos na minha juventude— me impressionou seu excepcional domínio da arte romanesca, com personagens complexos, que pensam, agem e falam em planos espaciais e temporais distintos ou entrelaçados.
Essa técnica, inaugurada talvez por Gustave Flaubert, foi usada por escritores e escritoras europeus das primeiras décadas do século passado e radicalizada por William Faulkner, um dos autores mais admirados por tantos romancistas latino-americanos.
Vargas Llosa não se enquadra no realismo maravilhoso do notável escritor cubano Alejo Carpentier, que, por certo, influenciou Gabriel García Márquez e não poucos escritores que surgiram a partir da década de 1970. Também não aderiu ao realismo fantástico, tão forte na literatura do Uruguai, e principalmente da Argentina, de que Jorge Luis Borges e Julio Cortázar são estrelas de primeira grandeza.
O autor peruano optou pelo realismo clássico, mas lançou mão de técnicas inovadoras e elegeu como um dos temas principais de sua obra a crítica à violência do poder autoritário, seja nas instituições de ensino —”A Cidade e os Cachorros” e “Os Filhotes”— ou nas ditaduras de Manuel Odría —”Conversa no Catedral”— e do general Rafael Trujillo —”A Festa do Bode”.
Aliás, neste último romance, Vargas Llosa constrói uma das personagens femininas mais fortes e fascinantes de toda a sua obra, Urania Cabral.
Aprecio também o belo ensaio sobre Flaubert: “A Orgia Perpétua”. Mas não li seus quatro ou cinco últimos romances nem seus ensaios políticos.
Na década de 1970, Vargas Llosa deu uma guinada à direita e tornou-se um liberal. Há poucos anos, já idoso, apoiou candidatos da extrema direita, no Brasil e no Peru. O apoio a políticos saudosistas de ditaduras contraria qualquer credo liberal.
Nada disso ofusca o brilho do grande romancista, mas vale citar um comentário irônico do argentino Ricardo Piglia: “Parece que Vargas Llosa não leu seus próprios romances”. São contradições que fazem parte da história, das ficções e da vida.