Organizar o patrimônio e transmiti-lo aos herdeiros por meio de uma empresa, como as chamadas holdings, é uma opção que depende mais do tipo de bens e dos objetivos dos seus donos do que dos valores envolvidos.
Segundo especialistas ouvidos pela Folha, não é necessário ser bilionário para utilizar esse tipo de planejamento, mas é preciso tomar cuidados para que as despesas com essa estrutura não superem o retorno obtido.
O uso de uma holding é indicado, por exemplo, para centralizar imóveis que geram renda, mas não é recomendável colocar na empresa imóveis para uso próprio. A transferência do bem para a pessoa jurídica permite reduzir o valor do imposto na hora da transmissão aos descendentes, mas pode gerar uma tributação maior se a pessoa decidir vender o imóvel ainda em vida.
Natalia Zimmermann, sócia do escritório Velloza Advogados Associados, diz que, mesmo em casos em que a família tem mais de um imóvel de uso próprio —moradia principal e casas na praia ou no interior, por exemplo— nem sempre é recomendável colocá-los em uma holding. “Quando você constitui uma empresa para centralizar os imóveis? Quando há um conjunto desses bens que produzem renda”, afirma.
O uso do imóvel pelos controladores da holding para moradia gera, por exemplo, o risco de autuação da Receita, com tributação por meio de aluguel imputado.
Mário Shingaki, sócio fundador do VBSO Advogados, afirma que o primeiro ponto é entender que uma holding é uma empresa como outra qualquer e que pode ser usada para facilitar a organização e transmissão do patrimônio.
Um dos objetivos desse tipo de planejamento é evitar um inventário judicial, com disputa entre herdeiros. Ele lembra que é mais fácil dividir cotas de uma empresa do que imóveis entre os filhos. “No momento em que se cria uma holding, você só tem um bem que vai ser transmitido aos herdeiros [a empresa]”, afirma.
Em relação à possibilidade de ganho tributário, é necessário fazer as contas. O valor dos aluguéis na pessoa física é tributado em até 27,5%. Na pessoa jurídica do lucro presumido, a alíquota é de 14,53%.
Shingaki dá como exemplo um gasto de R$ 3.000 para abertura de uma empresa, mais cerca de R$ 500 de contador por mês. Se o aluguel dos imóveis detidos por ela for de R$ 4.000, e a pessoa já tiver alcançado a faixa dos 27,5% de imposto com outras rendas, o uso de uma empresa pode se justificar. Mas se a locação for a única renda e estiver na faixa de isenção do IRPF, não valeria a pena.
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Por outro lado, se a pessoa tiver como objetivo constituir um conjunto de imóveis para alugar, pode ser vantajoso já começar as aquisições por meio de uma pessoa jurídica, para não pagar posteriormente o ITBI municipal na transferência de propriedade para a empresa.
Os especialistas lembram que, no caso da venda do imóvel, há regras que permitem à pessoa física reduzir ou até zerar o imposto sobre o ganho de capital. Na pessoa jurídica, por outro lado, o ganho com a venda será tributado pela alíquota aplicada ao resultado financeiro.
Daniel Duque, CEO e fundador da plataforma Herdei, afirma que a holding é um instrumento de planejamento sucessório eficiente e acessível mesmo para famílias que ainda estão começando a acumular patrimônio. Ele diz que o uso de uma pessoa jurídica pode ajudar na organização sucessória e também gerar economia fiscal, principalmente para quem aluga imóveis.
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“Há outros mecanismos de planejamento sucessório, como testamento, doação em vida etc., mas nas análises que a gente faz aqui, em 100% das vezes a holding é a alternativa mais eficiente, fazendo uma projeção de quanto ela vai demandar de investimento versus um cenário em que os bens vão para inventário”, afirma.
Ele explica que há diferentes tipos de holding, cada uma com um objetivo específico, como centralizar a administração de imóveis, administrar participações societárias ou apenas deter cotas de outras empresas, sem atividade operacional. Em alguns casos, há uma empresa que administra imóveis para moradia —o que permite pleitear a imunidade do ITBI— e outra com os bens para locação, visando nesse caso reduzir o Imposto de Renda.
Não é recomendável usar esse tipo de estrutura para gerenciamento de aplicações financeiras, que na maioria dos casos têm tributação favorecida na pessoa física. A mistura de imóveis com participação societária em empresas ativas também traz risco de penhora desses bens –em caso de ações de cobrança contra a pessoa jurídica.
Roberto Justo, sócio do escritório Choaib, Paiva e Justo Advogados, afirma que há três mudanças em curso na área tributária que também precisam ser observadas, neste momento, por quem pensa em planejamento patrimonial.
Estão pendentes a regulamentação do regime imobiliário na reforma tributária e a possibilidade de tributação de dividendos em análise no Congresso. Além disso, muitos estados vão rever as alíquotas do imposto sobre herança no próximo ano.
Por isso, há casos em que é melhor o cliente esperar uma definição sobre essas questões antes de optar por uma holding. Exceto quando o objetivo principal não seja o ganho tributário, mas garantir uma sucessão organizada do patrimônio.
“Às vezes você gasta dinheiro, paga advogado, contador e todos os impostos. Aí vem uma reforma que inviabiliza, do ponto de vista fiscal, ficar com os imóveis na pessoa jurídica. Talvez valha a pena esperar um pouco.”