A busca por soluções para a crise climática deixou de ser uma responsabilidade apenas de chefes de Estado e tem chegado de forma cada vez mais ampla às mãos de pessoas comuns. Conforme novos produtos sustentáveis ficam disponíveis, os consumidores podem e devem fazer escolhas ambientalmente mais conscientes.
A visão é de Ana Toni, CEO da COP30 (conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas). Para ela, o evento precisa alcançar um conjunto de objetivos para ser considerado bem-sucedido –mas, sozinho, não vai causar a mudança de que o planeta precisa.
“Parece que a cada COP é uma bala de prata que vai resolver o problema da mudança do clima. Não é”, diz, em entrevista ao C-Level, videocast semanal da Folha. “O problema se resolve com decisões que são tomadas todos os dias por diferentes pessoas. Por congressistas, chefes de Estado, mas também por nós consumidores, por eleitores e como eles votam.”
O anúncio da realização da COP30 em Belém foi em maio de 2023. De lá para cá, qual foi o maior entrave?
O maior desafio está na geopolítica, que independe muito de todos nós. Quando o presidente Lula convidou o planeta para vir para a COP30, na Amazônia, a geopolítica era muito diferente do que é hoje. Hoje a gente tem guerras comerciais, tributárias, tarifárias, militares. O mundo está muito tensionado. A COP não está isolada da geopolítica.
C-Level
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O Brasil não deveria apresentar um mapa do caminho para fazer a transição para longe dos combustíveis fósseis e servir de exemplo para outros países?
Não só o Brasil, mas todos os países precisam ter planos. Se a gente não faz um plano para diminuir, seja o desmatamento, seja as emissões na área de energia, de agricultura ou de qualquer setor, a gente não vai chegar lá.
O Brasil avançou na prevenção do desmatamento, mas o governo ainda parece atrasado no tema da energia e do uso de combustíveis fósseis.
Eu diria que não é o governo, é a sociedade brasileira. Olha como a gente se movimentou como sociedade brasileira para falar de desmatamento, há décadas, e [esse debate] está cada vez mais ficando maduro, isso é excelente. Da mesma forma a gente tem que falar sobre energia.Então a gente vai ter um mapa do caminho para como se afastar dos fósseis, na COP30?
A gente vai amadurecer esse debate, para que a sociedade brasileira e, globalmente, as pessoas percebam a necessidade desse mapa. [Se] vai sair ou não, aí, obviamente, não depende só do Brasil, depende de todos os governos.
Como chegar ao valor de US$ 1,3 trilhão para os países em desenvolvimento?
Esse US$ 1,3 trilhão existe no mundo. É uma escolha política mobilizá-lo ou não. Quando tivemos o problema da Covid, conseguiu-se mobilizar os recursos necessários para enfrentar aquela crise. Nesse momento temos uma crise climática. Como é que a gente traz todo mundo para mobilizar os recursos?
Após as enchentes do Rio Grande do Sul houve uma discussão muito grande sobre medidas de adaptação, mas parece que, conforme o tempo passa, o tema esfria e cai no esquecimento…
Há três, quatro anos, quem falava de painel solar? Quem é que podia comprar painéis solares? Como é que a gente falava sobre energia eólica? Quem falava de carros híbridos? De agricultura regenerativa? Desmatamento zero? Isso mudou radicalmente num período de tempo muito pequeno e é por causa da Convenção de Clima e do Acordo de Paris [que compõe a COP]. A gente não está traduzindo como é que essas convenções estão afetando, sim, o dia a dia das pessoas.
Por que essa dificuldade de tradução?
Uma das dificuldades é que a gente está falando de um novo modelo de desenvolvimento, de setores que antes não tinham uma expressão na sociedade, não tinham seus lobbies, suas propagandas. Há todo um novo vocabulário, a gente está no meio dessa transição.
Agora a gente começa a ver na área de energia, até mais do que na bioeconomia ou na alimentação, esses produtos. Quando vira produto, a gente consegue ver. Então a gente consegue hoje em dia falar de painel solar ou eólica porque a gente sabe que virou um produto. Ou carro elétrico, olha quantos carros elétricos a gente vê na rua.
A questão do financiamento climático foi a trava das últimas COPs. Quais são as alternativas?
Um dos grandes debates que o Ministério da Fazenda tem feito é como os bancos multilaterais podem alavancar mais recursos, por exemplo, privados, para o mesmo tanto de recursos públicos que é colocado.
Em média, a alavancagem dos bancos multilaterais para os recursos concessionais ainda é pequena, [e] tem um debate, que a gente tem feito com os bancos multilaterais, sobre como aumentar.
Outros instrumentos econômicos estão sendo colocados, [como] troca de dívida por financiamento climático. Alguns países muito endividados que agora não pagam os juros das dívidas e investem nos seus próprios países, seja em adaptação, seja em mitigação.
O investimento em energias renováveis cresceu, mas o dos fósseis não diminuiu. Como inverter essa curva?
A gente está com o pé no acelerador nos renováveis, que é maravilhoso, fundamental, mas o pé no acelerador de combustíveis fósseis continua lá, porque a demanda de energia está crescendo. Ao tirar os subsídios de alguns fósseis, você começa a dar essa diferenciação. A energia solar, por exemplo, está se tornando cada vez muito mais barata do que algumas [energias] de combustível fóssil.
O Congresso acaba de aprovar uma MP que prevê a contratação de usinas a carvão até 2040. Como mudar essa realidade?
Essas contradições não estão só no Brasil, estão no mundo inteiro. As forças políticas ainda são as forças do modelo econômico e de energia do passado. O modelo econômico [atual] foi pensado numa economia linear, baseada em combustível fóssil, como se o planeta não fosse reclamar de jeito nenhum, que a gente podia derrubar a floresta, fazer agricultura de expansão.
Qual é a força hoje em dia, no Congresso, das energias renováveis? É tão forte quanto dos combustíveis fósseis? Será que as novas empresas de bioeconomia, de biometano, de reflorestamento, têm as mesmas forças políticas que o outro modelo econômico?Não tenho nenhuma dúvida de que [a transição energética] é um processo irreversível. Só que a gente não tem tempo. Estamos numa crise climática.
E como acelerar essa mudança?
Conversar com a população. Parece que a cada COP é uma bala de prata que vai resolver o problema da mudança do clima. Não é. O problema da mudança do clima se resolve com decisões que são tomadas todos os dias por diferentes pessoas. Por congressistas, chefes de Estado, mas também por nós consumidores, por eleitores e como eles votam. [Por] todos nós, de maneira diferenciada, com responsabilidades diferenciadas.
Os carros elétricos que a gente compra, os carros híbridos, a etanol, é importante as pessoas valorizarem, isso também tem a ver com as soluções. A gente tem que falar dos problemas, mas também mostrar para a população que há soluções. Começa a cada vez mais ter os produtos. Eles [consumidores] podem optar e perguntar, de onde está vindo a minha carne? Todo mundo vai ter que fazer parte deste grande mutirão. Logicamente, quero deixar bem claro, com responsabilidades diferenciadas. Mas não tem outro jeito de combater a mudança do clima.
O que precisa ser alcançado nessa COP para que não fique um sentimento de que ela não atingiu seus objetivos?
Sendo na Amazônia, não tem como combater a mudança do clima se a gente não preservar as florestas, os oceanos, se a gente não fizer reflorestamento. A segunda [coisa] é adaptação. Por mais importante que a mitigação continue sendo e sempre seja, a gente já está num momento de desastres climáticos, em que a gente tem que aprender a se adaptar a um planeta muito diferente.
E o terceiro é mostrar que o combate à mudança do clima vai requerer que a gente faça um casamento com a economia. Porque não é uma escolha entre prosperidade e combate à mudança do clima. Tem que fazer as duas coisas juntas.
Organizações da sociedade civil criticam a presença, por exemplo, do lobby das empresas de petróleo. Vai haver um espaço restrito nessa edição?
[Essa demanda vem] em reação às últimas duas COPs, em que a maneira das presidências se organizarem foi um pouco diferente da nossa, em termos de participação e transparência. Foi uma COP em Dubai, onde o presidente tinha outra relação com o setor de óleo e gás.Defendo que no debate sobre energia, transição energética, a gente vai ter que envolver, sim, os produtores. Colocá-los na mesa é fundamental, mas tem que ser de maneira transparente, aberta, para que todos possam participar.
RAIO-X
Ana Toni, 61
Nascida em São Paulo, a economista é doutora em ciência política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com mestrado na London School of Economics. Foi diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade, de onde saiu para ocupar a secretaria nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente. Foi presidente de Conselho do Greenpeace Internacional e diretora da Fundação Ford no Brasil.
Colaborou Marcos Hermanson


