Trump só enxerga o mundo por meio de acordos - 23/05/2025 - Ross Douthat

Trump só enxerga o mundo por meio de acordos – 23/05/2025 – Ross Douthat

Presidentes dos Estados Unidos costumam ter uma grande teoria sobre política externa —uma doutrina propriamente dita, como as de Harry Truman, James Monroe e todos os que os imitaram— porque de que outra forma poderíamos classificá-los?

Várias doutrinas já foram atribuídas a Donald Trump ao longo dos anos: jacksoniano, realista, nacionalista, isolacionista, pacifista não convencional, belicista convencional, anti-imperialista, neoimperialista —e, claro, putinista, fascista, agente infiltrado.

Está claro que ele não é nenhum tipo de idealista, nenhum wilsoniano sonhador; esses rótulos podem ser descartados. Mas existe alguma ideia clara no centro de sua abordagem à política externa?

Só se considerarmos a negociação de acordos como uma ideia. Porque é a busca pelo aperto de mão que guia a política externa trumpista em quase todas as frentes, muitas vezes atropelando teorias rivais sobre o que o presidente está tentando fazer.

Isso inclui teorias expressas pelo próprio Trump. Obviamente, o nacionalismo “America First” (América em primeiro lugar) é essencial para sua autoimagem. Mas isso não necessariamente prediz seu comportamento real.

Se os aliados no Oriente Médio quiserem fazer um grande e belo acordo para desenvolver suas capacidades em inteligência artificial, Trump está pronto para apertar as mãos —mesmo que isso envolva terceirizar uma das tecnologias emergentes mais importantes do mundo. Se os rivais em Pequim quiserem sentar à mesa para negociar tarifas, o sonho nacionalista de uma separação total da China pode ser deixado de lado.

Da mesma forma, Trump se apresenta como anti-intervencionista; fez um grande discurso na Arábia Saudita com esse tema. Mas qualquer impulso neoisolacionista pode se dissipar rapidamente quando há um bom incentivo para negociar —como, mais recentemente, no conflito entre Índia e Paquistão.

E Trump está disposto a adotar uma postura agressiva quando isso lhe convém, ordenando bombardeios contra os houthis, ameaçando a Coreia do Norte em seu primeiro mandato, até fazendo ameaças vagas contra o território de um aliado da Otan porque cobiçava a Groenlândia. Ele vê o uso da força militar como uma ferramenta útil quando um rival ainda não está disposto a negociar —mas muda de falcão para pomba assim que as condições mudam.

Isso fica evidente em sua estratégia para o Oriente Médio. No primeiro mandato, Trump se comportou majoritariamente como um falcão republicano tradicional em relação à República Islâmica do Irã. Mas essa abordagem convencional à região —protetora dos interesses israelenses e voltada à mudança de regime em Teerã— foi descartada até agora no segundo mandato. Por quê? A explicação mais simples é que Trump decidiu que o governo iraniano parece mais disposto a fazer as pazes com ele, enquanto o primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu se tornou, de repente, um obstáculo agressivo à negociação.

Crucialmente, isso não significa que Trump tenha abraçado de repente a esperança, típica da era Obama, de que a paz com o Irã poderia permitir aos EUA se desvencilhar de suas alianças com as monarquias do Golfo Pérsico. Esses países adoram negociar com os EUA, então Trump está totalmente comprometido com esses relacionamentos também.

Também não parece guiado, neste momento, pela visão de mundo associada a alguns de seus indicados, como Tulsi Gabbard, diretora de inteligência nacional, que vê o radicalismo sunita como um inimigo prioritário. Em vez disso, Trump se encontrou alegremente com o novo presidente da Síria —há muito associado a uma ramificação da al-Qaeda— e prometeu suspender sanções ao país. Foi o medo da Al-Qaeda no poder que ajudou a justificar as defesas parciais de Gabbard ao regime de Assad, mas, se um ex-terrorista quiser conversar, Trump está pronto para deixar o passado no passado —porque o que importa é o acordo.

Há um padrão semelhante com Rússia e Ucrânia. A simpatia de Trump por Vladimir Putin e suas explosões de hostilidade contra os ucranianos costumam ser interpretadas como sinais de um desejo ideológico de alinhar os EUA a regimes autoritários. Mas basta observar que Trump pode ser convencido a adotar uma postura mais amigável com a Ucrânia —ele forneceu armas aos ucranianos em seu primeiro mandato e foi mais crítico com Putin quando o governo de Volodimir Zelenski aceitou um acordo de recursos —sempre que parece que Moscou está inflexível e Kiev está mais conciliadora. Por mais que o presidente admire um certo tipo de líder autoritário estrangeiro, essa admiração tem limites quando as chances de negociação diminuem.

Isso não significa que Trump não possa acabar fazendo um acordo ruim com Putin. O problema de ter a negociação como estrela-guia é que pode ser difícil distinguir um bom acordo de um mau. (Outro problema, para um presidente com um império familiar, é que o que é bom para a empresa Trump pode ser bem diferente do que é bom para os EUA.)

Mas uma das razões pelas quais muitos americanos preferiram Trump a seus rivais —tanto os falcões republicanos tradicionais quanto os democratas internacionalistas— é que as doutrinas elevadas que animaram a política externa dos EUA nas últimas duas décadas muitas vezes aceleraram o declínio do país. E um presidente negociador é menos propenso que outros a se ver preso por crenças dogmáticas em posições insustentáveis, menos suscetível a ser manipulado por Estados clientes e menos propenso a correr diretamente para uma guerra.

Esse é o argumento a favor da correção trumpista na política externa dos EUA. Agora, resta ver como serão os acordos que ele fechará.


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